Ricos e pobres entre os milhões e a fome De um lado a opulência do agronegócio e de outro a estagnação de municípios por falta de políticas públicas
Os números estatísticos mostram a factualidade, mas não revelam o que aconteceu para que se chegasse a eles. Mato Grosso é caracterizado por grandes desníveis sociais. Em sua base territorial com 141 municípios alguns formam bolsões de riqueza enquanto outros vegetam. Não há nenhuma política pública federal ou estadual para amenizar essa situação. Os chamados primos ricos são formados por Cuiabá e polos do agronegócio, mas não somente por essa atividade econômica, enquanto os pobres são aqueles que tiveram suas economias calcadas nos garimpos de ouro e diamante.
Peixoto de Azevedo e Sinop exemplificam bem o contraste. Ambos são municípios no Nortão, e suas sedes ficam à margem da BR-163 distantes 195 quilômetros uma da outra. Sinop emancipou-se em 1979, e Peixoto em 1886. O primeiro surgiu de um projeto de colonização executado por Ênio Pipino e nos seus primórdios sua base econômica era a madeira, mas gradualmente houve diversificação. Peixoto teve formação espontânea e ganhou contornos urbanos com a descoberta do ouro em meados dos anos 1970. Sinop sempre manteve boa taxa de crescimento, a cidade tem avançado projeto urbanístico e sua população é de 149 mil habitantes, mas o prefeito Roberto Dorner insiste que em junho, quando o IBGE divulgar o censo, esse número ultrapassará 200 mil. Peixoto foi povoado por garimpeiros de ouro e transformou-se num dos grandes centros nacionais de extração daquele metal. Em 1995, no auge do garimpo, Peixoto tinha 47.009 habitantes, mas naquele ano a pressão ambiental provocou êxodo nos garimpos e milhares retornaram para seus lugares de origem e a cidade ficou fantasmagórica. Em 2005, o IBGE registrou 19.224 peixotenses remanescentes. Preliminarmente o censo em curso indica que o número de residentes subiu para 35.695. Nenhuma cidade resiste a um baque como o enfrentado por Peixoto onde a alíquota do Imposto de Renda e dos demais tributos é a mesma de Mato Grosso afora.
No longo período crítico do esvaziamento de Peixoto, casas e estabelecimentos comerciais vazios foram se deteriorando, e nunca houve iniciativa pública para o repovoamento urbano, inclusive com a transferência para aquela localidade de famílias à espera da casa própria em Cuiabá e outras cidades. O ex-prefeito de Peixoto, Francisco de Assis Tenório, certa vez sugeriu um projeto nesse sentido, mas foi abafado pelo poderio das empresas que constroem moradias populares.
De um lado Sinop e do outro Peixoto, com Mato Grosso ao meio. É assim com os bolsões regionais de riqueza formado por Sinop, Sorriso, Lucas do Rio Verde, Nova Mutum, Diamantino, Santa Rita do Trivelato, Nova Ubiratã, Tangará da Serra, Campo Novo do Parecis, Brasnorte, Juína, Juara, Tabaporã Tapurah, Ipiranga do Norte, Guarantã do Norte, Colíder, Canarana, Água Boa, Querência, Primavera do Leste, Santo Antônio do Leste, Campo Verde, Itiquira, Alto Araguaia, Comodoro, Rondonópolis, Sapezal, Campos de Júlio, Alto Taquari, Alto Garças, Araputanga, Mirassol D'Oeste, Pontes e Lacerda, São José dos Quatro Marcos, Barra do Bugres e outros municípios, e pelos primos pobres Araguainha, Ponte Branca, Torixoréu, Araguaiana, Nova Nazaré, Luciara, Serra Nova Dourada, Canabrava do Norte, Novo Santo Antônio, São José do Povo, São Pedro da Cipa, Salto do Céu, Rio Branco, Indiavaí, Figueirópolis D'Oeste, Reserva do Cabaçal, Porto Estrela, Alto Paraguai, Nortelândia, Santo Afonso, Arenápolis, Jangada, Porto Esperidião, Nova Santa Helena, Planalto da Serra, Barão de Melgaço, Nossa Senhora do Livramento, Santa Terezinha e outros.
O céu e inferno da situação municipal atiça críticos do agronegócio, que não tem culpa por esse cenário, ao contrário do garimpo, que em muitos casos é o responsável pelo despovoamento e encolhimento econômico em várias cidades.
Mato Grosso deixa acontecer e improvisa. Em parte, a realidade é essa sobre os municípios. Para os que concentram o parque industrial e têm grandes lavouras, o cenário é o melhor possível, porém, para os pequenos a fatura é muito alta.
Visão rodoviária pela rodovia em si. Esse parece ser o entendimento do governo. Nesse enfoque, os municípios são prejudicados e consequentemente o Estado. Recentemente a pavimentação da MT-100 entre Alto Araguaia e Barra do Garças foi concluída. Essa obra abriu passagem para commodities de parte do Vale do Araguaia serem escoadas para o terminal ferroviário da Rumo em Alto Araguaia, mas nenhum programa foi executado para fortalecer o bolsão de pobreza formado por Araguainha, Ponte Branca, Torixoréu e Pontal do Araguaia em seu percurso. Não basta contemplar os extremos da rodovia: é preciso beneficiar as cidades do trajeto.
No trajeto da MT-100 há um dos mais importantes roteiros do turismo de aventura do Centro-Oeste: os cânions do Araguaia, em Ponte Branca, onde o grande rio se afunila criando corredeiras que fazem a alegria dos praticantes da canoagem e é sonho de consumo de muitos canoístas. No município vizinho de Araguainha a grande atração internacional é o Domo de Araguainha, classificado pela União Internacional das Ciências Geológicas (UICG) como Patrimônio Geológico Mundial, mas nem um nem outro despertou interesse do governo pela sua exploração turística. Segundo a professora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Federal de Goiás (FCT/UFG), Joana Sánchez, "a cratera, ou Domo de Araguainha, foi formada pela queda de um asteroide na divisa de Goiás e Mato Grosso, entre Araguainha e Ponte Branca, há cerca de 250 milhões de anos. Com um diâmetro de 40 quilômetros, é a maior cratera de impacto da América do Sul e uma das poucas do mundo que tem toda a sua estrutura preservada".
Programas para incrementar o desenvolvimento da área de influência da MT-100 não há, mas para a mesma sobram nomes. Em seu trecho de Alto Araguaia a Torixoréu é a Rodovia Deputado Oscar Soares, e de Torixoréu a Pontal do Araguaia, Rodovia Flozino Rocha da Silva. À sua margem, Araguainha, com 909 habitantes, Ponte Branca (1.525) e Torixoréu (2.439) já se acostumaram ao êxodo de jovens em busca de trabalho e emprego, além de outros que também dão adeus, como foi o caso do ex-prefeito de Ponte Branca, Demilson Nogueira, que se mudou para Cuiabá, foi servidor comissionado da Assembleia e elegeu-se de vereador.
No trajeto entre Alto Araguaia e Barra do Garças há o município de Ribeirãozinho, com 2.439 habitantes, mas ao contrário de seus vizinhos, Ribeirãozinho é um importante polo do agronegócio e não enfrenta os problemas na área pública comum à região. Ao lado de Barra e formando conurbação com ela e a goiana Aragarças, a cidade de Pontal do Araguaia tem 6.972 residentes, mas sua economia gravita no entorno de Barra.
Quanto aos municípios que ficaram órfãos com o fim do garimpo do diamante, a atenção teria que ser redobrada, pois como nos ensina a máxima, "Uma vez garimpeiro, sempre garimpeiro". Mesmo sem garimpar, o homem do garimpo continua acreditando que bamburrará (pegará uma pedra valiosa) e não aceita facilmente trabalhar em outra atividade. Já o pessoal que extraía ouro tem outro entendimento e não se prende à atividade tanto quanto seus colegas do diamante.
Mato Grosso não se resume aos municípios do agronegócio nem àqueles que foram polos garimpeiros. Há um leque de alternativas que podem reduzir os desníveis sem sequer cultivar um grão de soja a mais ou buscar na memória os bons tempos do garimpo. O potencial turístico e cultural é muito grande.
Em Barra do Garças, principal município do Vale do Araguaia, o turismo de contemplação, místico e de pesca tem papel de destaque em sua economia. Em 2022, segundo o vereador Dr. Neto, 305.838 turistas e residentes frequentaram o terminal de águas termais da cidade. No mesmo período, o aeroporto da cidade operou 625 pousos com embarque e desembarque de 1.109 passageiros. A disparidade entre os dois números aponta que há reduzida presença de pessoas que chegam ao lugar pela aviação executiva ou por rotas nacionais, enquanto que a movimentação popular para as chamadas "águas quentes" é grande.
Barra tem algumas das melhores rotas do turismo no Brasil interior. Ao lado da cidade, no topo da Serra Azul, há um discoporto à espera de esverdeados marcianos; o discoporto foi idealizado pelo líder político Valdon Varjão e seu projeto leva a chancela de Hans Donner, que é mago dos efeitos especiais na Globo. Cachoeiras, praias no rio Araguaia durante o período das águas baixas, entre junho e novembro. A região tem bons pesqueiros em vários rios. Próximo à cidade, a Serra do Roncador, onde teria desaparecido em 1925 o coronel inglês Percy Harrison Fawcett e o Templo da Eubiose, na vizinha Nova Xavantina, são algumas das atrações turísticas.
Na fronteira com a Bolívia, em Vila Bela da Santíssima Trindade, primeira Capital mato-grossense, o turismo é acanhado, muito embora o município ofereça um leque de eventos a exemplo da Dança do Chorado, que é uma coreografia musicada, feita por mulheres negras descendentes de escravos, que se apresentam com roupas coloridas e com uma garrafa do afrodisíaco Canjinjin equilibrada na cabeça.
Ponte Branca, Araguainha, Barra do Garças, Vila Bela, a Rodovia Transpantaneira e outros roteiros turísticos, uma vez bem explorados contribuiriam para reduzir os desníveis regionais mato-grossenses.
Enquanto se espera por decisões políticas para melhorar a qualidade de vida mato-grossense, o agronegócio permanece como âncora econômica e boa parte da população vegeta nesta terra que chega aos 275 anos de emancipação com a criação da Capitania de Mato Grosso em 9 de maio de 1748.
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