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Domingo - 26 de Março de 2023 às 05:58

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Andréia Freitas afirma que, muitas vezes, os pais podem julgar os filhos por não compreenderem o sofrimento deles
Andréia Freitas afirma que, muitas vezes, os pais podem julgar os filhos por não compreenderem o sofrimento deles

Trabalhando há 15 anos como psicóloga e há seis atendendo no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de Cuiabá, Andréia Freitas, de 38 anos, lamenta a ausência de políticas públicas para tratar e acolher melhor pessoas que sofrem com doenças e transtornos mentais.

Internação não resolve problema de ninguém. A pessoa pode ser internada por um período, recebe os medicamentos, mas ao sair os problemas vão continuar

Andréia destaca que, apesar de oferecer tratamento gratuito pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), o governo de Mato Grosso precisa investir mais em políticas públicas que valorizem a saúde mental da população, pois ainda há muito trabalho a ser feito.

Uma das medidas sugeridas pela profissional é a implantação do CAPS 3, ainda ausente no Estado, que forneceria atendimento psicológico e psiquiátrico 24 horas. Outra sugestão feita por ela é que o governo capacite agentes de saúde que frequentam bairros distantes para identificarem cidadãos que precisam de apoio e tratamento mental, conduzindo-os ao atendimento especializado. Andréia ressalta que a abordagem precisa ser acolhedora, indo contra a idealização de internações forçadas.

“Internação não resolve problema de ninguém. A pessoa pode ser internada por um período, recebe os medicamentos, mas ao sair os problemas vão continuar. É necessário investir muito mais em saúde mental, em saúde pública”, afirma.


Como conselho aos pais de jovens que estão manifestando sintomas depressivos, a psicóloga diz que a melhor atitude é acolher os filhos sem julgamento e encaminhá-los para profissionais, lembrando que, caso o momento não permita investir em atendimentos particulares, o estado oferece serviços públicos de saúde mental com tratamento multidisciplinar que podem ajudar muito.

Suicídios

Para a psicóloga, os suicídios geralmente estão associados a transtornos mentais, sendo a depressão, a ansiedade e a bipolaridade os mais comuns. Além dos fatores biológicos, a saúde mental pode ser severamente prejudicada por contextos da vida pessoal como agressão, desemprego, desilusão amorosa, dependência química e outros.

Nos momentos de crise, Andréia ressalta a importância de pessoas próximas que ajudem o depressivo a enfrentar as dificuldades, formando assim uma rede de apoio. Muitas vezes, a principal rede de apoio da pessoa é a família, mas nem sempre os familiares sabem como ajudar adequadamente.

“Os pais, por não compreenderem o sofrimento, podem julgar os filhos. Muitas vezes eles não dão conta do problema, porque mexe com o emocional e reflete a história deles. Temos casos aqui de jovens que foram abusadas e, ao contarem para a mãe, a mãe preferiu não ver porque ela também foi abusada. Se eu enxergar isso na minha filha, retomo o que vivi na minha história”, explica.

Andréia revela que a pandemia foi muito impactante para pessoas com questões mentais delicadas, pois removeu a sensação de segurança e estabilidade, o que potencializou sofrimentos.

“Nós sempre fomos acostumados a seguir uma rotina e, quando desestabilizada, entra a questão do medo. Muita tristeza pela perda de entes queridos, dificuldade socioeconômica, impossibilidade de encontros e afeto. O pânico acabou se disseminando entre as pessoas. Elas não sabiam se poderiam ser contaminadas por aquele vírus e se teriam a vida”, revela.

Automutilações

Muitos casos, quando em estágio avançado de sofrimento psíquico, acabam em automutilação. Causar ferimentos no próprio corpo é um recurso que deprimidos encontram para desviar a atenção das dores mentais e emocionais que sentem. A psicóloga comenta que, geralmente, pessoas com dificuldades de compartilhar o sofrimento e pedirem ajuda recorrem à automutilação. Ela afirma que fazer os pacientes falarem sobre o que sentem é uma das melhores formas de ajudá-los.

“Quando você põe palavras, você evita de expressar em atos. O ato é a tentativa de suicídio, de automutilação, você faz alguma coisa para eliminar aquela dor. Não existe nada que a gente possa fazer para impedir que o outro execute, a não ser o fazer falar sobre aquilo. Os que são mais calados e guardam mais para si sua dor externalizam com o suicídio”.

O primeiro sinal é o humor deprimido, o desinteresse. Antes gostava de fazer as coisas e agora não gosta mais

Uma dica dada pela psicóloga é estar alerta sobre os conteúdos consumidos online, pois eles podem ser benéficos ou prejudiciais. Conforme ela, o que é consumido pode fazer bem à saúde mental ou aumentar o sofrimento, devido ao excesso de informações. Além disso, é preciso estar atento para evitar a prática do autodiagnóstico baseado em achismos da internet, pois só os profissionais são capacitados para fazê-lo ao observar as especificidades de cada caso.

Andréia comenta que o preconceito com quem procura psicólogos e psiquiatras é antiquado, pois taxa como “loucas” as pessoas que precisam ser ouvidas sem julgamento. Além disso, segundo ela, não cuidar da saúde mental é uma negligência com o próprio corpo, pois ele precisa estar bem cuidado como um todo.

Outra questão importante a ser observada é o conflito entre gerações quando assuntos sobre saúde mental são abordados. As diferentes perspectivas sobre o bem-estar psíquico causam conflitos, pois pessoas de gerações mais antigas valorizam menos o afeto e o acolhimento, focando mais no trabalho e no prover para a família, enquanto os jovens se importam mais com acolhimento, personalidade e bem-estar mental e emocional. Dessa forma, essa temática pode causar turbulência em muitas famílias devido ao choque entre opiniões diferentes.

Além disso, a psicóloga alerta que doenças e transtornos mentais manifestam sintomas que precisam ser percebidos pelos familiares para que não se agravem com o decorrer do tempo.

“O primeiro sinal é o humor deprimido, o desinteresse. Antes gostava de fazer as coisas e agora não gosta mais. Temos muitos jovens isolados dentro do quarto, isso precisa ser cuidado. Perda ou aumento do apetite. A questão da insônia ou do sono excessivo. São fatores que precisam gerar um sinal de alerta. Falas como ‘prefiro morrer’ e o rendimento escolar, antes possuía boas notas e passou a ter um baixo rendimento escolar”, esclarece.





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