Arenápolis News - arenapolisnews.com.br
Cidades
Domingo - 26 de Março de 2023 às 05:45
Por: Liz Bruneto/Mídia News

    Imprimir


Jorge Bastos Moreno ao lado do general João Figueiredo, encontro que lhe rendeu um grande furo jornalístico
Jorge Bastos Moreno ao lado do general João Figueiredo, encontro que lhe rendeu um grande furo jornalístico

O jornalista cuiabano Jorge Bastos Moreno ganhou notoriedade nacional por cobrir importantes momentos históricos da política no País, mas morreu, aos 63 anos, sendo pouco valorizado na sua própria cidade, da qual tinha tanto orgulho.

“Ele tinha uma grande mágoa, uma frustração, e sempre deixou isso claro. Queria ser reconhecido onde nasceu. Na minha opinião, vai ter que nascer de novo para ser reconhecido aqui”, afirmou a corretora Luciana Leite, de 52 anos, amiga de longa data do jornalista.

A carreira de Moreno é retratada na série documental "O Repórter do Poder", que está disponível na plataforma Globoplay. A obra traz bastidores da notícia e coloca em evidência essa persona icônica com depoimentos de figuras ilustres.


Entre os que aceitaram gravar depoimento, estão ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ministro do STF Gilmar Mendes, além de jornalistas e artistas.

Quando a produção da série, Luciana abriu as portas da sua casa para a equipe de filmagem e reviveu os velhos tempos de almoços e jantares fartos que se tornaram a marca registrada do jornalista.

Arquivo pessoal

Jorge Bastos Moreno

Moreno ao lado dos amigos Luciana e Paulo Leite

“Recebi a família e alguns amigos, fiz uma mesa digna de Jorge Moreno com tudo que você pode imaginar de iguarias cuiabanas. Foi a primeira vez que a família se reuniu depois da sua morte. Foi bonito de ver. Todo mundo chorou, não tinha como, a mesa era Jorge Moreno, a comida era Jorge Moreno”, diz.

Em Mato Grosso e na Capital, não há informação de iniciativas em homenagem à Moreno, como houve no Rio de Janeiro e em Brasília, cidades onde ele construiu sua carreira. A prefeitura do Rio o homenageou com o Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI), e a Câmara Federal inaugurou uma Sala de Imprensa também batizada com o seu nome.

“Sem dúvida significa uma falta de reconhecimento local. Isso se deve ao desconhecimento entre as autoridades regionais e culturais, além da própria mídia, do papel que Jorge Moreno teve na comunicação política do País, no jornalismo”, afirma a jornalista e mestre em Ciências da Comunicação Sônia Zaramella.

A profissional descreveu o cenário como melancólico e afirmou revelar a “total ignorância pela cultura da informação” por parte das autoridades locais, que por vezes se prendem às mídias eletrônica e digital, “desprezando a mídia impressa”, disse.

E foi precisamente na mídia impressa que Moreno perpetuou o seu legado, parte que Sônia Zaramella descreveu como sendo a “mais nobre do jornalismo, pois se desenvolve baseada na cultura escrita”, onde os profissionais primam pelos textos “bem elaborados e inéditos”.

Além de Moreno ter morado por muitos anos e construído a sua carreira fora de sua cidade natal, Sônia pontua dois pontos que, talvez, expliquem a falta de reconhecimento de um personagem tão icônico.

O primeiro é o próprio segmento em que o profissional atuou, a mídia impressa, na qual a pessoa precisava ter dinheiro para consumir o produto. Por outro, segundo Zaramella, era a editoria à qual ele se dedicou, a política, “que, tempos atrás, não despertava interesse/audiência como nos dias de hoje, com o país polarizado”, disse.

Arquivo pessoal

Jorge Bastos Moreno

Moreno ao lado de amigos durante um de seus muitos jantares

“O êxito de Moreno era entre um público altamente politizado e intelectualizado, portanto, muito seleto, com poder econômico para comprar jornal diariamente, ou uma revista, e com interesse pela política”, afirmou.

“Moreno era sinônimo de Cuiabá nos lugares onde morou. Isso é incrível. Ele soube difundir o nome da cidade e popularizar a cultura cuiabana fora daqui como nenhum outro cidadão que conheci nesses anos todos de vivência jornalística”, afirma Sônia.

Personagem icônico

Com carisma inigualável, perspicácia e um jeitão cuiabano de ser e falar, Moreno foi aos poucos ganhando espaço no cenário político e conquistando fontes que lhe renderam grandes furos, como a informação de que o general João Batista Figueiredo seria o sucessor do presidente Ernesto Geisel, em 1978, em edição extra do Jornal de Brasília.

Sua marca registrada eram os almoços e jantares fartos que ofertava, muitas vezes com o cardápio repleto de iguarias da culinária cuiabana, como pacu assado, mojica de pintado, revirado de rim, carne com banana e paçoca de pilão.

Esses eventos eram quase que uma extensão do seu trabalho para nutrir o relacionamento com as fontes e ele conseguia, com primor inigualável, reunir as mais diferentes tribos em um mesmo ambiente.

“Ah, ele fazia uma mistureba. A gente falava ‘isso não vai dar certo’ e no final dava. Acho que era a energia dele, ele era muito apaixonante, envolvente, sedutor. Não sei qual era a alquimia que fazia todos se aglutinarem ao redor dele”, recorda Luciana.

“Ele fazia [jantares] pelas fontes, mas também pelo prazer em comer. Jorge não bebia nem fumava, mas enchia a boca para falar de Cuiabá, da nossa comida, da nossa cultura. E que lugar mais propício para saber das coisas do que em uma mesa rodeada de pessoas tomando um bom vinho?”, disse.

Arquivo pessoal

Jorge Bastos Moreno

Moreno em um dos lançamentos de seu livro, no Bistro da amiga Luciana

Era na casa de Luciana e do marido dela, o jornalista e publicitário Paulo Leite - falecido em 2014 -, no Bairro Santa Rosa, que acontecia a maioria dos encontros realizados por Moreno em Cuiabá.

“Como a casa é grande e os hotéis já não o aceitavam pela folia, ele vinha para cá junto com Carlucia, a cozinheira dele. Era aqui que ele fazia 90% das reuniões quando estava em Cuiabá, nas férias, fins de semanas e feriados”, diz a amiga.

“Teve uma vez que ele ficou um mês de férias aqui em Cuiabá, foi um mês de festa na minha casa. Eram todos os dias almoço e jantar, quase emendava um no outro”.

Luciana conta que não havia, nos eventos de Moreno, ninguém que fosse mais importante que ele. “Mesmo que, por exemplo, para a nossa realidade, o governador do Estado estivesse na reunião, ele não seria a pessoas mais importante. Era o Jorge, porque ele tinha esse magnetismo de trazer os olhares todos para si”, afirmou Luciana.

Jorge foi descrito como um amigo muito prestativo, mas também muito ciumento, que gostava, segundo Luciana, de estar rodeado por mulheres bonitas e da atenção delas.

“Ele não gostava de dividir a sua atenção de amiga com outras pessoas e apesar de humilde, era vaidoso, gostava de ser paparicado, mas também sabia fazer isso sem ser pegajoso, interesseiro. Todo mundo tinha prazer de conversar com ele”, disse.

Sucesso e legado

Do final da década de 70 até 2017, quando faleceu no Rio de Janeiro, Moreno cobriu todos os importantes momentos políticos do Brasil. Sua paixão e dedicação ao jornalismo, bem como sua própria personalidade foram importantes elementos para o seu sucesso.

“Era um repórter com fontes qualificadas no campo da política e tinha trânsito livre nas esferas do poder, especialmente no Congresso Nacional. Junto com isso tinha uma rede de relacionamento muito plural, fazia amizades com facilidade e convivia muito respeitosamente com os colegas de profissão. E escrevia muito bem”, relembra Sônia.

“Ele conseguiu o que poucos conseguem: transitar por todos os lados e em todos os ambientes e fazer amigos. Tinha amizade com a esquerda e a direita, com o presidente da Republica e o faxineiro do palácio. Acho que o sucesso dele se deveu a essa humildade”, afirma Luciana.

Arquivo pessoal

Jorge Bastos Moreno

Moreno em um dos jantares realizados na casa da amiga Luciana

Moreno foi um homem preto, gordo, de personalidade espalhafatosa e cativante, que saiu da sua cidade natal para estudar jornalismo em Brasília e conquistou o seu espaço.

Ele faleceu em 14 de junho de 2017, vítima de um edema agudo de pulmão decorrente de complicações cardiovasculares. E até em sua despedida ele saiu em grande estilo, com direito a dois velórios, um no Rio de Janeiro e o outro em Cuiabá, onde foi enterrado no Cemitério Piedade.

Coluna e blog

Moreno assinou a coluna política Nhenhenhém do jornal O Globo. Lá ele trabalhou por 35 anos, até a sua morte.

Era também responsável pelo Blog do Moreno, “que trazia num estilo descontraído informações dos bastidores do poder em Brasília”, explica Sônia.

Moreno também escreveu os livros, “A História de Mora – a saga de Ulysses Guimarães” e “Ascensão e Queda de Dilma Rousseff: Tuítes sobre os bastidores do governo petista e o diário da crise que levou à sua ruína”.

Entre no grupo do MidiaNews no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).

GALERIA DE FOTOS

Arquivo Público

Jorge Bastos Moreno

Arquivo pessoal

Jorge Bastos Moreno

Arquivo pessoal

Jorge Bastos Moreno

Arquivo pessoal

Jorge Bastos Moreno

Arquivo pessoal

Jorge Bastos Moreno





Comentários

Deixe seu Comentário

URL Fonte: https://arenapolisnews.com.br/noticia/105678/visualizar/