Juíza defende legalização dos jogos no Brasil
A proposta que preve a liberação e legalizaççao dos jogos de azar gera muita polêmica no Brasil e tem dividido opiniões também em Mato Grosso. De autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), o projeto regulamenta as atividades de cassinos, jogo do bicho e bingos, inclusive o funcionamento de máquinas de vídeo-bingo e caça-níqueis, e deve ser votado em agosto pelo Senado. O projeto de lei proposto define os jogos que podem ser explorados, critérios para autorizações e as regras para distribuição de prêmios e arrecadação de tributos.
Os defensores da proposta afirmam que os jogos vão contribuir com a geração de mais empregos e também com a arrecadação de mais impostos. Quem é contra afirma que a regulamentação servirá para “regularizar” a lavagem de dinheiro e não promoverá o fim de outros crimes relacionados a contravenção.
Em Mato Grosso, a juíza da Vara Especializada de Combate ao Crime Organizado em Cuiabá, Selma Rosane de Arruda, conhecida por julgar processos de grandes repercussões, afirma que é favorável a aprovação da lei e explica que mesmo esses jogos sendo proibidos, sendo crimes, eles não deixam de existir no Brasil. Conforme ela, eles acontecem há anos e continuam acontecendo por “baixo dos panos”. “Eles acontecem clandestinamente, não deixam de existir só porque são proibidos. Partindo desse princípio, acredito que com a regularização e fiscalizaçao das atividades, os crimes que estão diretamente relacionados a essa prática possam diminuir consideravelmente”.
Conforme a juíza, a própria história demonstra que a proibição de certas práticas, que não são em si tão perigosas, acabam gerando consequências ainda mais desastrosas. “No século XIX, o Estados Unidos proibiu a fabricação, transporte e venda de bebidas alcoólicas para consumo. Com isso, surgiram as máfias que contrabandeavam essas bebidas e com elas vários outros crimes”.
Segundo ela, a proibição gera a oportunidade para outros crimes, que são muito mais graves do que o próprio crime de contravenção. “A prática dos jogos em sim não é tão grave como, por exemplo, a lavagem de dinheiro por trás, os homicídios e o crime organizado”.
A juíza esclarece que é totalmente a favor da legalização dos jogos de azar, mas que isso não implica na impunibilidade dos crimes que estão diretamente ligados a prática. “Isso tem que ficar muito claro. Os crimes, que em muitos casos estão relacionados a essa prática, devem continuar sendo investigados e punidos”.
Segundo ela, o perdão judicial aos que foram condenados por contravenção é previsto em lei. “Quando uma determinada prática deixa de ser crime, a anistia é garantida por lei e, no caso específico da contravenção, que não é crime de potencial tão grave quanto outros, não vejo problema”.
Uma das polêmicas sobre o projeto que visa a regulação e liberação dos jogos de azar no país é a anistia prevista a todos os acusados da prática de exploração ilegal dos jogos anterior a entrada em vigor da nova lei. Apesar da polêmica e de apontar a possível aprovação da proposta como um retrocesso, o Promotor de Justiça de Mato Grosso, João Augusto Veras Gadelha, que atuou diretamente no processo de acusação de um dos líderes do jogo do bicho no Estado e também chefe do crime organizado, João Arcanjo Ribeiro, explica que o perdão judicial ao crime de contravenção em si não é o mais grave.
Para ele, caso o projeto seja aprovado, a lei irá facilitar ainda mais as práticas de crimes como tráfico, homicídios, pistolagem e outros relacionados ao crime organizado, o que não valeria os benefícios que são apontados pelos defensores da proposta. “O perdão a prática exclusiva do jogo de azar não é tao grave, mas a questão é que a lei, na minha opinião, pode até contribuir para geração de mais empregos e impostos, mas isso não vale os problemas que poderemos ter com o crime organizado que pode até ganhar mais força e, com certeza, não deixará de existir”.
Conforme o promotor, quanto a alegação de que com a regularização dos jogos, o crime organizado e outros atrelados diminuiriam, não cabe. “Esse não é o melhor caminho”. Ele lembra ainda que o cenário que esse tipo de jogos traz já é bem conhecido em Mato Grosso e que a simples regularização não mudaria em nada as consequências. “Nós tivemos aqui uma guerra. O crime organizado estendia seus tentáculos por meio dos caça-níqueis e do jogo do bicho. Isso não vai mudar com a legalização. Porque mudaria?”.
Defensores apontam até ganhos para turismo
Além da arrecadação de mais impostos e geração de empregos, outro apontamento feito pelos defensores da proposta para legalizar os jogos de azar é o aumento do turismo no país. Essa também é a opinião do advogado criminalista Eduardo Mahon, que lembra que no Brasil cidades com grandes potencial turístico e com a liberação dos jogos, atrairiam o mundo todo. “Temos a América Latina como mercado, no caso do Rio de Janeiro, temos o mundo inteiro”.
Segundo ele, os jogos devem ser fiscalizados, a exemplo do que acontece em outros países, mas nunca proibido. Mahon lembra que com relação ao vício, que também é usado como desculpa, ele também poderia ser aplicado para a proibição do tabaco, de doações de imóveis para entidades religiosas, entre outros. “O Brasil quer arrumar uma desculpa contra o jogo, a verdade é essa. Mas não arruma uma desculpa coerente com relação as drogas permitidas e a extorsão religiosa, por exemplo”.
A discussão, segundo ele, está permeada no “moralismo brasileiro”. “O Brasil já gerou grandes dividendos com os cassinos, como o da Urca, por exemplo, palco dos maiores artistas do país. Depois com o fechamento da Urca, surgiu o Teatro de Revista, onde se apresentavam Carmem Miranda, Oscarito, entre outros grandes nomes do Brasil”.
Segundo ele, os aspectos positivos que podem ser citados além da questão dos tributos, é que a atividade pode mobilizar toda América Latina e desenvolver determinadas regiões.
Quanto a questão dos crimes e lavagem de dinheiro, Mahon acredita que são questões que podem deixar ainda mais evidentes os problemas de segurança e administração que o país já tem. “Agora, se será palco de lavagem de dinheiro, ou não, isso só será um atestado da incompetência da nossa inteligencia policial, da nossa inteligencia fiscal, da nossa inteligencia administrativa. Costumamos tentar colocar defeitos em uma iniciativa, justamente com esses medos”.
Para ele, se os aspectos negativos se justificarem, haveria necessidade também de proibir a bebida e o tabaco. “Vamos proibir a bebida, para não nascer o alcoolismo, proibir o consumo de tabaco para proibir o vício, mas isso as pessoas não fazem porque moralmente já esta integrado a sociedade”.
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