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Nacional
Terça - 07 de Julho de 2015 às 14:49

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Em 2013, na época com 19 anos, Bárbara teve 40% do corpo queimado (Foto: Rafaella Fraga/G1)

Em 2013, na época com 19 anos, Bárbara teve 40% do corpo queimado (Foto: Rafaella Fraga/G1)

Ela chorou a morte dos dois filhos após arder em chamas, literalmente. Aos 21 anos, Bárbara Penna de Moraes e Souza é uma sobrevivente, que exibe no corpo e no rosto as marcas da violência que sofreu. Mesmo assim, vê o futuro com otimismo: quer cuidar da saúde, superar os medos e ainda acredita em uma nova chance de casar e ser mãe.

A vida de Bárbara mudou na madrugada de 7 de novembro de 2013. Ou recomeçou. Apesar da dor da perda dos filhos Isadora, de dois anos, e João Henrique, de apenas três meses, a jovem mantém o sonho de ser mãe novamente. E vai além. Luta todos os dias para refazer a vida. "Quero ser feliz", projeta.

Bárbara antes e logo que recebeu alta do hospital, após o incêndio (Foto: Montagem sobre fotos/Arquivo pessoal)Bárbara antes e depois que recebeu alta do
hospital (Foto: Montagem/Arquivo pessoal)

Há um ano e oito meses, o então companheiro dela, João Guatimozin Moojen Neto, que hoje está preso, a espancou. Mais uma vez, após uma briga motivada por ciúme. Porém, a aparente discussão corriqueira de casal terminou em tragédia.

Falar do episódio não é fácil e ainda a abala, mas Bárbara prefere abrir um sorriso para superar o trauma e disfarçar a dor. Difícil encontrar uma foto em que ela não apareça sorrindo.

Foi na sala de estar do apartamento de um amigo que ela concedeu entrevista ao G1. Acomodou as muletas na poltrona ao lado do sofá, mas pediu para não levantar para o abraço de boas-vindas porque sentia dores na perna.

Magra, vestia jeans e uma blusa de alcinha branca. Só tirou o casaco azul marinho que usava para mostrar a pele ferida pelo trágico episódio. Enquanto fala, usa os dedos para mexer nos longos fios escuros. Metade é megahair, já que Bárbara também perdeu parte do cabelo no incêndio.

Eu amava ele, né? Vou mentir se falar que não. Mas acho que me iludi. Sonhei com uma história, criei uma fantasia”

Bárbara Penna, 21 anos

A cena de horror foi ambientada no apartamento em que ele morava, em um condomínio situado na Avenida Panamericana, na Zona Norte dePorto Alegre. Na tentativa de não prolongar ainda mais a discussão, Bárbara resolveu dormir, logo após colocar os dois filhos na cama. Do sono, foi acordada com socos. “Em seguida ele me mandou calar a boca e disse que ia me matar”, relembra.

Pela primeira vez, sentiu medo dele. "Fiz o que ele me pediu, que era deitar de bruços. Ele sentou nas minhas costas e puxou o meu pescoço. Foi quando eu desmaiei", conta.

Ela só despertou com o forte cheiro de álcool. O líquido havia sido despejado pelo seu corpo e pelo chão da casa. Em seguida, João, à época com 22 anos, riscou um fósforo.

Ao correr para pedir socorro pela janela, despencou do terceiro andar do prédio. O fogo se espalhou pelo apartamento e a fumaça provocada pelo incêndio intoxicou e matou as duas crianças que dormiam no quarto e um vizinho. Segundo a Polícia Civil, Mario Ênio Pagliarini, de 76 anos, era morador do sexto andar do prédio. Ele percebeu o fogo e desceu as escadas. Não resistiu e morreu no corredor, também sufocado pela fumaça.

Bárbara mostra as marcas deixadas pelo incêndio (Foto: Rafaella Fraga/G1)Bárbara mostra as marcas deixadas pelo
incêndio de 2013 (Foto: Rafaella Fraga/G1)

O drama de Bárbara é mais uma na lista de 229 casos de tentativa de feminicídio registrados no Rio Grande do Sul naquele ano. Em 2014, o índice subiu para 287, segundo dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP) do estado.

Esses números são oficiais, porém, não correspondem à realidade. Isso porque muitos casos jamais são denunciados. Alguns se tornam públicos, como o de Bárbara, por acabarem em tragédia e terem grande repercussão.

"Infelizmente, eu me considero um exemplo. Muitas mulheres ainda me procuram dando relatos, dizendo que através da minha força, elas também têm força. Eu gostaria de poder fazer mais [pela causa]. Dei várias entrevistas na época e todas foram em prol disso, para alertar, para tentar ajudar. Não quero que aconteça com mais ninguém, jamais", diz.

O recomeço
Da cena do crime, Bárbara foi levada para o Hospital Cristo Redentor. Não sem antes ser xingada pelo ex. “Ele se aproximou de mim e continuou gritando, me humilhando. Dizia que eu era culpada”, recorda.

A partir dali, foram 38 dias em coma. Da UTI, Bárbara foi transferida para o quarto, onde permaneceu os quatro meses seguintes. Tempo suficiente para perceber que era hora de se reerguer e continuar a vida. “Eu acredito que eu estou viva para fazer justiça. A partir do momento em que eu acordei no hospital, fiquei com isso na cabeça”, diz.

Não dá para esconder o trauma, apenas cobrir a pele que denuncia a brutalidade do caso. O fogo atingiu 40% do lado direito do corpo de Bárbara. O braço e a perna ficaram comprometidos. A orelha derreteu e a retina do olho foi queimada, o que exige um transplante de córnea. A queda da janela do terceiro andar provocou ainda lesões graves na bacia e no fêmur.

Bárbara passou 38 dias na UTI do hospital (Foto: Bárbara Penna/Arquivo pessoal)Bárbara passou 38 dias na UTI do hospital (Foto:
Bárbara Penna/Arquivo pessoal)

Para reparar as sequelas, ela passou por mais de 200 cirurgias plásticas. E ainda precisa de mais. “Ao total, com os enxertos, foram 223 cirurgias. Tenho, no mínimo, outras sete para fazer. Ainda tenho que colocar uma prótese de titânio e reconstituir a bacia”, lista.

Com dificuldade para caminhar sozinha, Bárbara precisa de cuidados. Incapaz de trabalhar, precisou interromper a fisioterapia por questões financeiras. A mãe também largou o emprego para ficar com a filha.

“Alguns procedimentos cirúrgicos eu fiz pelo SUS. Mas a prótese custa quase R$ 60 mil. E os tratamentos particulares, tipo fisioterapia, não dá. Não tenho todo esse dinheiro”, lamenta.

Nascida em Goiânia (GO), Bárbara é a caçula de três irmãos. Filha de um paranaense com uma gaúcha, mudou-se para Porto Alegre quando ainda era criança. O pai morreu há quatro anos e o restante da família se dispersou. Hoje ela mora com a mãe e conta com o apoio de amigos, e até desconhecidos, para seguir em frente.

"Aos pouquinhos estou começando a conseguir me sentir bem. Costumo dizer que vivo correndo atrás do prejuízo. Tudo em prol da minha saúde. Estou focando em mim", justifica.

Bárbara não foge do espelho. Para resgatar a autoestima, voltou a cuidar da aparência, vaidade que precisou deixar para trás durante o relacionamento com João. "Ainda tenho vergonha de algumas coisas, às vezes. Não consigo usar bermuda, nem regata", admite, ao apontar para as marcas na pele. "Mas não quero passar a vida toda com as pessoas me olhando com cara de pena. Até pessoas que não passaram por isso têm altos e baixos na vida. Tento pensar positivo", sorri, como quem dá a receita para ser feliz.

Apesar do trauma, Bárbara sorri: 'Eu quero ser feliz' (Foto: Rafaella Fraga/G1)Apesar do trauma, Bárbara sorri: 'Eu quero ser feliz', diz a jovem de 21 anos (Foto: Rafaella Fraga/G1)

Amor e ciúme
O relacionamento de Bárbara e João culminou no trágico fim após quase três anos. Entre idas e vindas, o namoro começou como um conto de fadas da vida real. O rapaz se mostrou carinhoso, apoiou e acolheu a ainda menina grávida, aos 16 anos. Registrou a filha de um rapaz que não quis assumi-la. Esteve presente durante o luto pela perda do pai, que morreu de câncer.

Os dois se conheceram pela internet e tornaram-se amigos. Em menos de dois meses assumiram relacionamento. “Todos da família dele me acolheram muito bem porque eu estava grávida e tal, e por eu ter perdido meu pai também. Os problemas começaram depois que a minha filha nasceu”, conta.

Com a filha Isadora, o casal se mudou para a casa dos pais de João, que sustentavam a família. Ele não trabalhava e também não permitia que Bárbara tivesse um emprego. “Tive que me demitir, porque ele passou a me perseguir”, conta.

Foi apenas o primeiro sinal. Logo o ciúme obsessivo de João passou a ser demonstrado com mordidas e beliscões. Vaidosa, a jovem era impedida pelo namorado de se arrumar. Ele destruía seus pertences como estojo de maquiagens e chapinha. Não deixava que Bárbara fosse à academia. “Ele quebrava qualquer coisa que me deixava bonita. Ele queria me deixar feia”.

Bárbara perdoava. Achava que era demonstração de amor. “Na época eu achava que ele tinha esse ciúme todo porque gostava muito de mim. Coisa de guria nova. Hoje vejo que não, que era doentio. Eu achava que ele ia mudar”, recorda.

Além do ciúme obsessivo, João era usuário de drogas. Foi internado duas vezes em instituições para dependentes químicos, mas nunca por tempo prolongado. A namorada sabia do uso, mas achava que conseguiria fazer com que ele largasse o vício. “Sofri muito. Ele me machucava, me humilhava. Sempre sonhei em ter uma família e achava que ele podia mudar”, assinala.

Com os filhos, João não era agressivo. Por outro lado, também não era presente. “Ele nunca maltratou meus filhos. Mas eu fazia tudo sozinha. Não tinha aquele companheirismo de pai, sabe? Ou dele dividir as tarefas, me ajudar. Nada”.

Bárbara e João namoraram por quase três anos (Foto: Bárbara Penna/Arquivo pessoal)Bárbara e João namoraram por quase três
anos (Foto: Bárbara Penna/Arquivo pessoal)

E João não mudou. “Eu amava ele, né? Vou mentir se falar que não. Mas acho que me iludi. Sonhei com uma história, criei uma fantasia. Imaginei uma pessoa e ele era outra”, analisa. Mais madura, sabe que as marcas no corpo não podem a impedir de abrir o coração novamente. “Fico com o pé atrás quando conheço alguém. Mas sei que não posso me basear no que passei. Não é porque ele [João] é ruim, que só vou encontrar pessoas ruins na vida. Eu quero ser feliz”, confia ela.

Justiça
João foi denunciado pelo Ministério Público por três homicídios culposos triplamente qualificados, uma tentativa de homicídio e pelo fato de ter provocado o fogo no apartamento. Em maio, Bárbara viu o ex pela primeira vez desde o crime. O encontro aconteceu durante uma audiência no Fórum Central de Porto Alegre. “Foi difícil. Chorei muito. Voltou todo o filme na cabeça”, lembra ela. João não quis olhar para ela.

Na atual fase do processo, estão sendo ouvidas as testemunhas de acusação. Concluída a etapa, será a vez das testemunhas de defesa. O réu será o último a falar.

Após passar pelas mãos de três advogados, a defesa de João agora está a cargo da defensora pública Tatiana Kosby Boeira. Segundo ela, atualmente tramita no Tribunal de Justiça um recurso impetrado ainda pelos antigos defensores que pede a impugnação de um laudo de sanidade mental, elaborado por psiquiatras do Instituto Psiquiátrico Forense (IPF).

"No entender da defesa o laudo é controvertido, porque tem questões que não foram levadas em conta", pondera a defensora. "O réu tem um histórico de drogadição desde novo e surtos de paranoia e esquizofrenia", acrescenta. O documento atesta que o réu poderia compreender o caráter ilícito de seus atos, mas seria incapaz de agir de forma diferente em razão dos problemas com drogas e transtornos de personalidade.

A defensora pública diz que o cliente precisa de tratamento psiquiátrico. Atualmente, ele está preso na Penitenciária Estadual de Charqueadas, onde aguarda julgamento. "A intenção da defesa é demonstrar que, devido à gravidade dos fatos, ele não é um criminoso, não é um bandido. É uma pessoa doente. E isso precisa ser tratado", resume.

Com dificuldades para caminhar, devido à queda, Bárbara usa muletas (Foto: Rafaella Fraga/G1)Com dificuldades para caminhar, devido à queda, Bárbara usa muletas (Foto: Rafaella Fraga/G1)





Fonte: Do G1

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