'Ele não atirou', diz mãe de baleado por PM Adolescente de 16 anos foi baleado após ter roubado moto com comparsa. 'Ele deve pagar pelo que fez, mas não pelo que fizeram com ele', diz mãe.
"Meu filho não trocou tiros com a polícia. Está nítido que ele não trocou tiros com a polícia". Esse é o resumo feito pela empresária de 34 anos, mãe de um dos adolescentes baleados no início da noite nesta terça-feira (23) por um policial militar após longa perseguição no Jardim São Luís, na Zona Sul de São Paulo. Os jovens fugiam da polícia em uma moto roubada.
A Polícia Militar prendeu administrativamente o policial que atirou nos menores. A perseguição foi gravada e a Corregedoria da PM investiga o caso.
O G1 conversou com ela nesta quarta-feira (24) na região do Capão Redondo, também na Zona Sul. A mãe pediu para não ter o nome nem sua imagem divulgados. Ela é mãe do jovem de 16 anos, que estava na garupa da motocicleta. Ele tem dois ferimentos à bala na perna, segundo a mãe. "Fiquei alguns minutos com meu filho do hospital. Ele está em uma maca, chora muito e está com medo. Ele me pediu desculpas, disse que nunca mais iria fazer isso, que estava arrependido e que ficou com muita vergonha do que tinha acontecido", afirmou.
Segundo a mãe, o filho disse que "eu não estava armado", mas o filho não chegou a dizer se o outro adolescente estava com alguma arma. "Ele não chegou a falar se [o outro] estava armado. Ele disse 'eu não atirei, a gente não atirou'."
A mulher, que tem uma empresa de fretamento de vans, reclama que tem o direito de acompanhar o filho no Hospital Regional Sul. "Os médicos vinham me passar informação e deixavam falar com ele, que eu poderia ficar como acompanhante, mas os policiais que estão lá não deixam. O policial chegava perto e ficava falando: 'diz para sua mãe onde você conseguiu a arma'", disse ela.
De acordo com Martim de Ameida Sampaio, diretor de direitos humanos da OAB/SP, a mãe tem direito de ficar com o filho, mesmo ele estando sob custódia da polícia. "A Mãe é responsável e tem direito a ser acompanhante do filho. No caso, a polícia está circundando o réu e vítima e a presença da mãe não vai extinguir isso. A família deve recorrer à Vara da Infância e da Juventude e ao conselho tutelar.
Segundo Sampaio, "essa é uma arbitrariedade policial. Não querem que ele tenha contato com outras pessoas ou que algo seja revelado, estão tentando intimidar a família."
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP/SP) foi procurada pela reportagem do G1para falar sobre o impedimento das mães permanecerem com os filhos no hospital, mas não se posicionou até a publicação desta reportagem.
Não quero passar a mão na cabeça dele. Quero que ele pague pelo que fez de errado, mas não pelo que não fizeram com ele"
Mãe do adolescente ferido por PM
A mãe do jovem disse que o filho nunca tinha se envolvido em nenhum problema com a polícia. "Ele deu trabalho normal de adolescente, de querer sair com amigos e eu não deixar, de querer no fluxo [pancadão] e não deixar, essas coisas. Ele é muito educado, todo mundo gosta dele no bairro."
Emocionada, a mãe espera que o filho tenha aprendido com a situação. "Ele confirmou que pegou a motocicleta. Não quero passar a mão na cabeça dele. Quero que ele pague pelo que fez de errado, mas não pelo que ele não fez."
Ela não sabe o que pode ter ocorrido para o filho ter feito o que fez. "Ele tinha o sonho de ter uma moto, mas nunca quis dar até ele completar 18 anos. Agora, o futuro dele vai ser difícil, o que as pessoas vão dizer e pensar?"
A mãe informou ao G1 que o filho trabalha como cobrador de van e estava no 1º ano do ensino médio. “Ele gosta muito de elétrica e eletrônica. Hoje, sofro por não poder vê-lo.”
A família do rapaz está reunida para tentar dar apoio ao jovem. "A gente é uma família muito unida por perdas, pois sofremos muito. Perdi minha família, perdi minha mãe [infarto], perdi meu pai [atropelamento], perdi o pai dele [assalto] e meu irmão também [atropelamento]. Todos no mesmo mês, em novembro, mas em anos diferentes. Só ficou minha filha, meu filho, eu e minha irmã", disse ela.
O tio do rapaz falou que o jovem era conhecido no bairro por atitudes bonitas. "Não sei o que aconteceu, se ele foi no embalo de amigos. Ele é muito educado e conhecido no bairro. É um cativeiro o que estão fazendo com ele no hospital. Nem Boletim de Ocorrência nós tivemos acesso". A SSP/SP foi procurada para falar sobre a família não ter uma cópia do registro policial, mas não se posicionou até a publicação deste reportagem.
A mãe disse que pretende conversar com o filho com calma o mais rápido possível. " Sempre fui uma mãe muito rígida, que corrigia muito os filhos. Não é agora que não vou corrigir meu filho. O que tiver de ser feito, pela lei, vai ser feito."
O outro jovem foi levado para o Hospital Campo Limpo e a família reclamou ao Bom Dia São Paulo que não podia visitá-lo e não tinha informações sobre o estado de saúde porque ele estava sob custódia da polícia no pronto-socorro. Ele seguia internado até a tarde desta quarta-feira (24). O rapaz foi ferido com três tiros, um na nádega e dois na perna e está em estado estável.
Perseguição
PM atira em adolescentes após perseguição na Zona Sul de São Paulo (Foto: TV Bandeirantes/Reprodução)
O helicóptero da TV Bandeirantes acompanhou a perseguição por ruas e avenidas da Zona Sul após os jovens terem roubado uma moto. Os dois jovens não tinham passagem anterior pela polícia, de acordo com informações da Polícia Civil.
O secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes, disse que o policial cometeu uma "séria irregularidade."
"As imagens são muito fortes, demonstram que os criminosos que atiraram, mesmo tendo atirado neles, já estavam no chão. E há o desferimento de tiros. Ele vai se defender, acredito que alguma coisa ele deva ter a dizer, mas pelas imagens ele praticou uma séria irregularidade", disse.
"Nós temos que dar o direito de defesa, mas pelas imagens a constatação é de uma séria irregularidade por parte do policial, aonde indivíduos já deitados, sentados, sob o domínio da polícia, acabaram sendo alvejados por tiros. Então está disciplinarmente preso e afastado do policiamento, e a Corregedoria já iniciou imeadiata a sindicância para, o mais rápido possível, isso ser solucionado", completou.
As imagens mostram que os dois adolescentes na moto são seguidos de perto por um policial da Rocam (Ronda Ostensiva com apoio de motocicletas) da Polícia Militar.
Um dos adolescentes joga o capacete em direção ao policial, que reage com disparos. As imagens mostram que a moto parece encostar e fica encoberta pelo telhado da casa. É possível ver que o policial atira pelo menos mais uma vez. O policial, então, desce da moto e vai até os suspeitos que estavam caídos. Ele se agacha e parece pegar uma arma que estava com um dos jovens. Em seguida, é possível ver duas luzes de tiros em direção ao chão.
O dono do bar próximo ao local dos tiros estava servindo os clientes quando ouviu os tiros.
“De repente, o que eu escutei foi os tiros, né? Aí, tinha umas crianças aí, eu falei: Vem gente, é troca de tiro, entra para dentro, entra para dentro, né?”, disse o comerciante Pedro Alves Pereira.
Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública, a Polícia Civil, a Polícia Militar e a Corregedoria investigam o caso.
Homens baleados por PM em perseguição na Zona Sul de SP (Foto: Reprodução/TV Globo)
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