Siamês deixa hospital 3 meses após separação do irmão em GO Heitor Brandão, 6 anos, foi separado do irmão Arthur, que não sobreviveu. Ele segue em Goiânia para fazer curativos e terá 'vida normal', diz médico.
Heitor deixou o hospital ao lado da família, em Goiânia (Foto: Paula Resende/G1 Goiás)
Após três meses da cirurgia de separação, o gêmeo siamês Heitor Brandão, de 6 anos, recebeu alta do Hospital Materno Infantil (HMI), em Goiânia, na manhã desta quarta-feira (27). "Estou muito feliz. Vou para casa", disse o garoto.
A despedida de Heitor também comoveu a equipe médica, que acompanhava a criança há seis anos e, mais intensamente, nos últimos meses, após a cirurgia de separação. O irmão dele, Arthur, não resistiu e morreu três dias após o procedimento.
Zacharias Calil, cirurgião-pediatra
Responsável pelo caso, o cirurgião-pediatra Zacharias Calil afirma que a sensação com a alta é de "alívio e paz". "Ele é uma lição de vida para todos, passou por situações críticas, tiveram momentos que eu achei que ele não iria sobreviver. Ele viveu o processo da separação do Arthur e conseguiu superar", destacou.
Segundo o médico, o menino está com todas as funções normais e, há uma semana, sem medicação. Inicialmente, ele precisará de uma cadeira de rodas para se locomover, já que não possui a perna esquerda, mas poderá usar uma prótese.
"Tem que fazer o estudo da bacia porque ele só tem a metade, a prótese teria que pegar na cintura mais ou menos e ele precisa se acostumar", explicou.
Apesar disso, o médico garante que ele terá "uma vida normal". "Ele mesmo vai se desenvolver, superando seus limites. Ele terá uma vida normal para a idade dele, apenas com uma limitação física. Vida nova agora", disse.
Para Calil, a recuperação do menino representa “uma vitória para a medicina”. “É uma vitória para Goiás, é um trabalho de equipe que nós conseguimos. É muito importante, é uma grande evolução da medicina”, ressalta.
COMEMORAÇÃO
Após sair do hospital, Heitor não voltou para a Bahia, onde mora, pois ainda terá que fazer troca de curativos por 15 dias. Enquanto isso, está com a família na Casa do Interior, abrigo de apoio da Organização das Voluntárias de Goiás (OVG), onde se hospedam desde que chegaram ao estado.
Empolgados com o retorno de Heitor, funcionários decoraram com balões e cartazes a casa de apoio. O cardápio para a chegada de Heitor também será especial. "No almoço, a costela assada com pirão e no lanche um bolo de chocolate com cobertura e granulado", diz a nutricionista Lohanne Patrícia de Castro.
Na nova cama, na casa da OVG, um brinquedo de presente estará o esperando. "A mensagem que ele deixou aqui para gente não tem explicação. É uma lição de vida que eu jamais esquecerei”, diz a pedagoga Lucilene Lopes.
NASCIMENTO
Natural de Riacho de Santana, cidade do interior da Bahia, a mãe de Arthur e Heitor, Eliana Ledo Rocha Brandão, veio a Goiânia um mês antes do nascimento dos filhos para que eles tivessem acompanhamento desde o parto, em abril de 2009. Eles eram unidos pelo tórax, abdômen e bacia, compartilhando o fígado e genitália.
Quando os meninos nasceram, Eliana e o marido, Delson Papa Brandão, já tinham uma filha de 1 ano e 10 meses. Dentre as várias adaptações feitas pela família para acolher os filhos siameses, a mãe passou a amamentá-los simultaneamente, tornando o ato mais confortável para ela e os bebês.
Momentos de Arthur e Heitor antes da separação (Foto: Montagem/G1)
Desde o nascimento, eles se preparavam para a cirurgia de separação. Para facilitar os cuidados com Arthur e Heitor, que recebiam atendimento especializado no HMI, Eliana se mudou para Goiânia. Enquanto isso, Delson permaneceu na Bahia para garantir o sustento dos familiares.
Neste período, um novo integrante se juntou à família Brandão. Natural de Divinópolis, na região nordeste de Goiás, Leonardo Sousa, hoje com 22 anos, acompanhava a irmã mais velha em um tratamento no HMI quando conheceu os siameses. Com o convívio intenso, o rapaz ficou cada vez mais próximo da família. Inclusive, quando os garotos retornaram à Bahia para aguardar a cirurgia de separação, Leonardo foi acolhido e se mudou com Delson e Eliana.
SEPARAÇÃO
Antes da cirurgia se separação, Eliana afirmou que, apesar das restrições físicas, os filhos não possuíam nenhum problema cognitivo. Com personalidades “totalmente diferentes”, os gêmeos sonhavam com o procedimento. "Eles querem se separar, não querem desistir porque sabem que vão ter liberdade, uma independência maior, poder ir sem precisar da permissão do outro", disse a mãe antes da cirurgia.
Arthur e Heitor antes da separação
(Foto: Reprodução/ TV Anhanguera)
Entre 2013 e 2014 os garotos passaram por procedimentos para a colocação de bolsas expansoras de pele. “Elas vão esticando a pele devagar, é como se fosse uma gravidez. Precisa de pele para cobrir o corte da separação. Se o processo não é feito, o risco de morte é altíssimo”, explicou na época o cirurgião Zacharias Calil.
Por fim, o procedimento aconteceu em 24 de fevereiro deste ano. A cirurgia durou cerca de 15 horas. Para realizar o procedimento, Calil e sua equipe tiveram auxílio de uma técnica chamada prototipagem, na qual impressoras 3D reproduzem órgãos do corpo humano em tamanho real. Segundo Calil, a aplicação dessa técnica em cirurgias de separação de siameses em Goiás é pioneira no país e permite simular o procedimento.
Após a separação, os médicos informaram que a cirurgia transcorreu dentro do esperado. Inclusive, eles tiveram uma boa notícia, pois, diferentemente do que acreditavam, cada um dos gêmeos tinha um intestino, uma bexiga e uma vesícula.
MORTE DO IRMÃO
De acordo com a equipe médica, os primeiros dias após a cirurgia eram decisivos para a recuperação dos meninos. Conforme explicou Calil na ocasião, enquanto eram ligados, Arthur dependia mais do irmão e, após a separação, seu estado de saúde se agravou. Três dias após a cirurgia, ele sofreu paradas cardíacas, não resistiu e morreu.
Os pais das crianças, optaram por enterrar Arthur na Bahia. Segundo Eliana, Heitor só foi informado da morte do irmão dias depois. “Ele perguntou onde estava o Heitor e eu expliquei que Deus tinha chamado ele porque no céu tinha muita criança triste, e o Arthur era muito alegre e no céu poderia alegrar as outras crianças”, conta a mãe. Ainda segundo ela, Heitor diz que sente falta do irmão, “mas não está triste porque sente Arthur no coração dele”.
Pai posta foto de Heitor sorrindo e assistindo
vídeos em celular (Foto: Reprodução/Facebook)
RECUPERAÇÃO
Durante o período de recuperação, Heitor teve uma piora no quadro de saúde. A equipe já tinha retirado os aparelhos que o ajudavam a respirar, mas pouco depois tiveram que retornar o equipamento, pois as funções pulmonares do garoto pioraram. Em seguida, o intestino dele também parou de funcionar.
Poucos dias depois, Heitor voltou a apresentar estado de saúde regular. Segundo Zacharias Calil, um dos motivos para a melhora é a fisioterapia.
Durante o período em que estava na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), o garoto chegou a receber a visita da estudante Larissa Gonçalves, que em 2000 também passou por uma cirurgia de separação da irmã siamesa. A garota, que tem hoje 15 anos, contou como foi a experiência.
“Nós conversamos muito, ele me contou sobre presentes que ganhou, foi muito emocionante. Saber que já passei por aquilo também, e eu sei que não é fácil, mas ele vai conseguir superar”, disse Larissa na ocasião. “Acho que ele poder ver uma pessoa que seja igual a ele é muito motivador”, completou.
ANIVERSÁRIO
Gêmeo siamês Heitor Brandão completou 6 anos e ganhou aniversário em hospital (Foto: Divulgação/HMI)
Heitor completou seis anos na UTI do hospital. A data não passou em branco e, mesmo internado,ganhou uma festa. Familiares, amigos e médicos tiveram que usar roupas especiais para o evento, que foi uma surpresa para o paciente. A comemoração teve direito a decoração e até bolo.
Na data, Heitor também se lembrou do irmão. De acordo com o pai, ele disse que também era para se comemorar o aniversário de Arthur: "Ele está aqui no meu coração".
AGRADECIMENTOS
Heitor se recuperou, mas permaneceu o tempo todo na UTI como medida preventiva. Aos poucos, ele passou a ter uma dieta normal e a respirar sem o auxílio de oxigênio. Durante todo o tratamento, ele agradeceu às mensagens de apoio e às orações em vídeos gravados pelos pais.
Em uma das gravações publicadas pelo pai nas redes sociais, Heitor disse: "Quero agradecer por vocês terem orado por mim e por minha recuperação. Estou muito bem. Logo, logo eu vou sair do hospital. Beijos para todos vocês".
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