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Nacional
Segunda - 27 de Abril de 2015 às 07:49
Por: *JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS

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Um monte de peixe morto apareceu recentemente na Lagoa Rodrigo de Freitas, onde vão ser realizadas as provas de remo nas Olimpíadas de 2016.

Já na Barra da Tijuca, onde está sendo construída a cidade olímpica, a promessa era despoluir a lagoa do vídeo acima. Veja a imagem que o Fantástico fez em um sobrevoo. E é em uma Baía de Guanabara, tomada de lixo e esgoto, que vão ser realizadas as provas de vela. A despoluição da baía foi anunciada como o maior legado para o Rio de Janeiro. Mas faltando pouco mais de um ano para as Olimpíadas, isso não vai acontecer.

Para que serve uma caixa de peixe, se não para carregar peixe? Você vai ver nessa história que ela serviu para outra coisa. Em uma terça-feira de sol um barco a vela navegava na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Breno e Rafael estavam a bordo. Os dois velejadores vinham em alta velocidade até que...

“Eu só consegui ver quando uma caixa verde de plástico boiou na nossa frente e não deu tempo de fazer nada. Do nada aquilo pegou na bolina, na quilha do barco, aquilo freou a gente, ele embicou e já virou”, conta Rafael Sampaio, velejador.

Uma caixa de peixe foi suficiente para virar o barco. Mas na baía se encontra muito mais.

“Um botijão de gás, mochila. Isso é um tênis, que a população joga no mar direto”, mostra um pescador.

São praias de pneus. E faixas de areia em que o lixo só acaba quando acaba a areia. E outras em que só os urubus desfrutam da paisagem.

Há 20 anos o professor Mário Moscatelli estuda a baía. Ele acompanha a equipe do Fantástico em um sobrevoo.

“Os rios que passam pelas regiões urbanizadas, eles se juntam então todo material que é jogado, tanto sendo esgoto e lixo, vão parar inevitavelmente pra dentro da baía”, destaca o biólogo.

Cinquenta e cinco rios que passam por 16 municípios antes de desaguar na Baía de Guanabara. Além do lixo, eles trazem 18,4 mil litros de esgoto por segundo.

“São praticamente mortos. Não tem oxigênio. Devido a carga de esgoto que é jogado dentro dele”, diz o professor.

Não é de hoje que se tenta reverter essa situação. Faz vinte anos. Desde então, o governo do estado do Rio já contraiu empréstimos de cerca de R$ 10 bilhões para recuperar a baía. Uma das promessas mais antigas ouvidas no Brasil.

“Nós vamos utilizar esses recursos se possível nos meus 4 anos”, disse Marcelo Alencar em 1995.

“Estão dentro do cronograma prevista para serem encerradas em 2003”, prometeu Garotinho em 2002.

“Já está atrasada de novo a obra, nós vamos ter que renegociar os prazos e eu quero adiantar e garantir a segunda fase de despoluição”, disse Rosinha em 2003.

“Eu não tenho a menor dúvida de que é um programa importantíssimo. Nós temos que convencer os japoneses, os bancos internacionais a continuarem investindo”, destacou Sérgio Cabral em 2006.

“Vai melhorar a vida do entorno da Baía de Guanabara e de diversas cidades”, afirmou Luiz Fernando Pezão em 2014.

Fantástico: Você acha que pode ser uma vergonha as Olimpíadas para a gente?
Mário Moscatelli: Eu não acho, eu praticamente tenho certeza. Infelizmente nem no pior dos meus pesadelos eu pensei que as autoridades brasileiras fossem ficar empurrando com a barriga um problema que é mais que conhecido, mais que sabido.

Quando o Rio de Janeiro ganhou a candidatura para as Olimpíadas, o compromisso era tratar 80% de todo esgoto despejado na Baía de Guanabara. Seria o maior legado das Olimpíadas. Se a promessa tivesse sido cumprida. Hoje, 49% do esgoto da região é tratado. E o esgoto de mais da metade dos 9 milhões de moradores da região é despejado sem tratamento nas águas da Baía de Guanabara.

Grande parte do dinheiro investido foi para as estações de tratamento de esgoto. O governo só esqueceu de fazer os canos que ligam a casa das pessoas a estes lugares. Conclusão: sete estações de tratamento funcionam bem abaixo da capacidade. E a situação não deve mudar muito até as Olimpíadas.

“Eu não quero dar número, mas não vamos ter nesse um ano um salto significativo”, afirma André Corrêa, secretário estadual do Meio Ambiente.

Fantástico: Tem alguma previsão de como vamos estar em porcentagem de cobertura de esgoto tratado nas Olimpíadas?
Jorge Briard, presidente da Cedae: Dizer porcentagem de esgoto. Eu acho que não é um bom indicador.

“Eu não vou alcançar de 100% da despoluição da Baía de Guanabara. Até porque o estado não dispõe desses recursos”, disse André Corrêa.

Agora, a previsão é que serão necessários mais R$ 12 bilhões para atingir a meta de coletar e tratar todo o esgoto da aérea. Esse dinheiro todo seria gasto para que a gente voltasse para um passado recente. Há 50 anos, no local se tomava banho de mar. Mas cada vez mais a gente foi virando as costas e fingindo que não vê e que é impossível não ver. O cartão postal de tirar o fôlego, virou o depósito de lixo e esgoto mais bonito do mundo. E nesse lugar que os velejadores serão obrigados a competir.

Fantástico: Que tipo de doença alguém que entra na agua da Baía de Guanabara hoje pode pegar?
Alberto Chebabo, infectologista: As doenças mais comuns são hepatite A, que é transmitida também pelo esgoto e doenças diarreicas, principalmente doenças bacterianas diarreicas.

Sem alternativa, alguns atletas já estão se preparando.

Nick Thompson, da delegação inglesa de vela, acha que vai aumentar a imunidade tomando vitaminas e óleo de peixe. Ele já teve dor de estomago no último evento teste na baía e não quer ficar doente de novo nas Olimpíadas.

“Estaria mentindo se dissesse que não me preocupo. Acho que a qualidade da água é um problema e todo atleta aqui se preocupa com isso”, conta Nick Thompson, velejador.

O holandês Dorian Van Rijsselbergue, medalha de ouro em Londres, também esteve no Rio em 2013. Falamos com ele pela internet e ele disse que nunca viu em um lugar tão sujo.

“A poluição era muito grande. Passávamos por geladeiras, móveis e animais mortos”, conta Dorian Van Rijsselberghe, velejador.

Fantástico: Para os atletas que estão vindo competir existe algum jeito de se prevenir?
Infectologista: Em relação a hepatite A, a vacina. Em relação as doenças diarreicas, não. A única prevenção realmente é você não entrar em contato, não deglutir a água.

Todos já sabem que a quantidade de esgoto na baia será praticamente o mesmo durante as Olímpiadas

“A qualidade da água vai ser o que tem hoje, se a gente conseguir tirar uma boca de esgoto que tem dentro da Marina da Glória já vai ser um avanço”, diz Torben Grael, velejador.

A Federação Internacional de Vela diz que se a situação continuar assim, as provas não podem acontecer na baía.

“Se nada mudar e a água continuar poluída, nós vamos ter que tirar as provas da baía. Não podemos ter jogos de vela em um lugar que é prejudicial à saúde, inseguro ou que atrapalhe o desempenho dos atletas”, afirma Scott Perry, vice-presidente da Federação Internacional de Vela.

O Comitê organizador diz que não tem outro plano.

“Nós vamos manter o plano que a gente sempre teve que é organizar essas competições aqui na Baía de Guanabara”, diz Agberto Guimarães, diretor executivo de esportes do Comitê 2016.

Mas o governo garante que pelo menos dará um jeito no lixo que boia pelos 380 km quadrados da baía, 2 bilhões de metros cúbicos de água. Mas será que ela pode ser limpa com barcos como o do vídeo acima?

É como se o espelho d’água fosse uma rua imunda e esse barco fosse uma equipe de catadores de lixo que vai, em um trabalho de formiguinha, recolhendo o lixo da água. São 8 horas por dia, 5 dias por semana, para tentar transformar pelo menos a aparência superfície da baía esse cenário mais digno do cartão postal.

Os barcos são capazes de recolher 45 toneladas de lixo por mês. Acontece que chegam mais de 100 toneladas de lixo sólido até a baía por dia. O equivalente a cem mil caixas de peixe. O lixo pode vir de muito longe. Quando um dos 16 municípios do entorno não coleta o lixo, ele acaba em um bueiro. Dali vai para rios e canais, e com a chuva é arrastado até a baía. Os barcos não estavam dando conta. E o governo do estado do Rio de Janeiro parou de pagar os R$ 320 mil por mês para as empresas que prestam o serviço. Mesmo sem receber, as empresas continuaram trabalhando por algum tempo.

“Nós fizemos isso até o início de fevereiro, quando a gente efetivamente comunicou ao Estado que paralisaria as operações”, conta o empresário Francisco Vivas.

O governo diz agora que está estudando outras maneiras de recolher esse lixo.

“A ideia é ter barcaças maiores. Enfim, coisas básicas de gestão, nada de muito sofisticado”, diz André Corrêa, secretário estadual do Meio Ambiente.

Ainda não há previsão de quando os novos ecobarcos irão passar a funcionar. Enquanto isso, projetos são desenvolvidos para tentar fazer que cenas como as mostradas no vídeo acima não se repitam nas olímpiadas.

O engenheiro gaúcho Nelson Fiedler projetou uma espécie de coletor de lixo para ser amarrado atrás de barcos de pesca. Ele acredita que pode ajudar a limpar a baía para as Olimpíadas.

Fantástico: Você acha que isso é capaz de limpar a Baía de Guanabara?
Nelson Fiedler, engenheiro: Eu diria que isso vai limpar muito.

A estrutura tem 15 metros de comprimento, 1,5m de altura e pode levar mais de 30 toneladas de lixo. É muito maior do que os ecobarcos que estavam em operação até agora. Mas quanto mais longe, mais a gente vê o tamanho do problema. Os engenheiros sugerem que dez barcos trabalhem continuamente, mas quando se vê a baía inteira, acaba se tornando um ponto na imensidão.

Outra tentativa do governo do estado de diminuir a sujeira foi a instalação de boias em sete rios da região. Resolveram chamá-las de ecobarreiras. A ideia é simples: segurar o lixo antes que eles cheguem na baía. Mas os especialistas estão dizendo que também não resolve.

“O lixo ou passa por baixo ou quando chove muito violentamente a barreira se abre” diz Mário Moscatelli.

A poucos metros da ecobarreira, nesse mangue, a prova de que elas não funcionam direito. “Tem tudo tem bola, tem tênis, tem copo, outro tênis”, diz Moscatelli. O próprio professor limpou a área de manguezal em 2012. “Toda a imundície que é jogada dentro dos rios veio parar no mangue”, explica.

“Esse fedor aí ninguém aguenta não. E dá rato ali. Rato para caramba aqui. Tem cobra, cobra aqui dentro do quintal, rapaz. E quando enche o esgoto entra dentro de casa? E o fedor? Eu passei o natal com água por aqui, eu e meu filho”, diz Alexandre, um morador próximo do valão.

Do lado de um valão Alexandre criou os filhos e hoje cria os netos.

Fantástico: Eles pegaram muita doença por causa de esgoto aqui quando estavam crescendo?
Mulher: Diarreia, vomito, essas coisas assim.

Nas cidades do entorno da Baía de Guanabara, são internadas mais 2, 7 mil pessoas por ano com doenças ligadas à falta de saneamento. E em 2013, ano do último levantamento do Ministério da Saúde, foram 22 mortes.

A despoluição da Baía de Guanabara é só para inglês ver. É na casa de Alexandre casa e em outras milhões que vivem assim, que deveríamos estar agora comemorando o legado.





Fonte: Do G1

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