52 processos sobre racismo tramitam no Judiciário de MT Para juíza Ângela Gimenez, os números ainda não refletem a realidade
Atualmente 52 processos envolvendo preconceito e discriminação racial tramitam na Primeira Instância do Judiciário Mato-grossense. Os números, porém, não refletem a realidade, já que grande parte dos negros e negras, vítimas de racismo, não denuncia, apesar de considerado crime imprescritível e inafiançável no país, com pena prevista de 1 a 5 anos e multa pela Lei 7.716/89.
Para a juíza Ângela Gimenez, da Primeira Vara de Família e Sucessões de Cuiabá, o “Dia Internacional da Luta pela Eliminação da Discriminação Racial” (21 de março) é um momento importante para refletir o número de casos e denúncias que chegam à esfera do Judiciário.
“O que chega até nós ainda é muito pouco, perto do que existe de fato. As pessoas têm que denunciar e nós temos que nos preparar para receber este tipo de denúncia. Para isso, é preciso qualificação, afastando todo o estereótipo que nós trazemos historicamente, há séculos. Precisamos trabalhar esta temática com todos os que vão recepcionar esta denúncia, seja na esfera policial, Ministério Público, Judiciário, unidades governamentais e não governamentais. Todos precisam ter clareza deste assunto e determinação para mudar isso. Nós temos que dar voz aos negros e negras deste país, pois são eles os protagonistas desta causa”, afirma a magistrada.
Ela diz que a Justiça tem papel fundamental no combate à discriminação racial, mostrando resultados rápidos e precisos, por meio de condenações nos casos comprovados de racismo. “E tem que ir além, o Judiciário precisa ser pró-ativo. Tem que estar presente nos espaços de discussões sobre a temática. Precisamos fazer com que a igualdade formal, aquela que a lei traz e que diz que somos todos iguais, saia do papel e faça acontecer”.
A magistrada, que é mãe adotiva de uma menina negra, já viveu a triste experiência do preconceito racial. “Nós vivemos ainda uma situação muito grave de discriminação e eu vejo isso pela minha própria filha, pela forma como ela chegou em minha família. A gente imagina que estas questões já estejam superadas em nosso país, mas essa não é uma verdade”.
Ângela Gimenez traz à tona outra discussão, a teoria de que a igualdade econômica colocaria um fim ao racismo no país, o “que também não é uma verdade e vejo isso na minha vivência. Minha filha é negra, tem oportunidade, vive em uma família que tem uma situação financeira confortável e é vítima, às vezes, de um racismo mais velado. Somente a superação econômica não trouxe a ela a garantia de ser tratada e respeitada com igualdade, inclusive a igualdade constitucionalmente garantida”.
A psicóloga e militante de movimento negro, Naiara Del Santo, também afirma que já foi vítima de preconceito pela cor da pele. “Já fui barrada na entrada de um shopping da Capital, me pediram meus documentos. Por quê? Sou formada, tenho 23 anos, não sou adolescente. Qual a razão de checarem minha documentação, a cor da minha pele?”, questiona.
Ela ressalta que mesmo sendo crime o preconceito ainda é grande no país, basta olhar os índices de violência envolvendo negros, a taxa de desemprego e a baixa escolaridade. O Brasil tem metade da sua população formada por negros – cerca de 100 milhões de pessoas – tem investido em lei para combater a discriminação e promover a inclusão, mas ainda é pouco.
“Não podemos nos calar, a nossa voz tem que ser ouvida. Temos que continuar lutando, todos os dias, contra o racismo, contra o preconceito. Para isso, é preciso denunciar. Quem sofre preconceito não pode se calar”, destaca Naiara.
Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial - A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), em memória à tragédia que ficou conhecida como “Massacre de Shaperville”, em 1960, na cidade de Joanesburgo, na África do Sul.
Na ocasião, vinte mil negros protestavam contra a lei que os obrigava a portar cartões de identificação, especificando os locais por onde eles poderiam transitar na cidade, quando se depararam com tropas do exército, que abriram fogo sobre a multidão, matando 69 pessoas e ferindo outras 186.
No Brasil, esta data marca também a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), criada pela Medida Provisória n° 111, de 2003, a partir do reconhecimento das lutas históricas do Movimento Negro brasileiro.
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