Amigos fazem 'vaquinha' para pagar enterro de crianças queimadas no DF
Amigos dos pais dos dois irmãos – um menino de nove anos e uma adolescente de 13 – encontrados amarrados e carbonizados em casa, no Distrito Federal, estão promovendo uma campanha em redes sociais para ajudar a família a pagar o enterro. De acordo com a administradora Noemi Viana, que organizou a "vaquinha", os custos com velório, caixão e lápides ficaram em R$ 5 mil, e a família não tem condições de arcar com as despesas sozinha. A cerimônia está prevista para começar às 12h desta quarta-feira (14), no cemitério de Taguatinga.
Segundo a Polícia Civil, os irmãos foram agredidos, amordaçados, amarrados e incendiados depois que um artesão de 21 anos invadiu a casa deles para buscar eletrodomésticos como forma de quitar uma dívida de R$ 500, feita pelo irmão mais velhos dele. O suspeito, Rômulo Nascimento, confessou o crime e chegou a desenhar o passo a passo da situação. Ele disse que agiu contra as crianças porque elas começaram a gritar quando ele tentou levar um notebook.
Muito emocionada, Noemi disse que o pai das crianças está arrasado e a mãe tem ficado à base de calmantes. "Não consigo tirar da minha cabeça o desespero dele. Não consigo. Uma família linda, muito unida, muito carinhosa. Imagino que o Marcos Paulo [irmão mais velho, que fez a dívida] esteja arrasado."
A administradora também falou que o grupo está arrecadando eletrodomésticos e roupas para a família, que morava de aluguel, já que eles perderam tudo o que tinham com o incêndio. Os pais decidiram entregar a casa à imobiliária e precisarão reformá-la antes da devolução. Interessados em ajudar podem entrar em contato com Noemi por meio do 9913-2701.
"Perderam todas as coisas, queimou tudo. Quando falei com o Waldir, ele não tinha nem roupa para vestir ou dinheiro para comprar os remédios da esposa", afirma Noemi. "Agora estão na casa da sogra dele, mas vão precisar começar do começo. Já conseguimos máquina de lavar, geladeira e micro-ondas. Também ofereceram apoio psicológico. Tem uma amiga que cedeu por dois meses o apartamento. Tudo que vier, será bem-vindo."
Nesta terça, Juan Lima, de 12 anos, afirmou ainda não acreditar na morte do melhor amigo. Ele estava na residência da família até uma hora antes do crime e convidou o menino de 9 anos para brincar na casa dele. A criança teria se recusado, alegando que não queria deixar a irmã sozinha.
“A gente saiu da escola, porque as aulas foram suspensas por causa da gravidez da professora, e foi para a casa dele. Ficamos um tempo brincando lá, mas minha mãe me chamou para ir para casa. Chamei o João Guilherme para ir comigo, mas ele não quis. Preferiu ficar em casa com a irmã [que tinha 13 anos].”
O adolescente disse que não chegou a encontrar com o artesão. Ele havia passado no local horas antes do crime para pegar parte do que o irmão delas lhes devia pela compra de pulseiras e colares.
O homem teria voltado ao local sob o pretexto de buscar algo que havia esquecido. Como as crianças ofereceram resistência quando ele decidiu pegar o notebook, ele amarrou a menina com um fio de telefone e o menino com um pedaço de lençol e os trancou em quartos diferentes. O artesão usou então um sofá para impedir que eles deixassem os cômodos.
Vizinha da família, a cerimonialista Dorcas Mustafá disse que não notou a situação a princípio, mas depois chamou um vizinho que é bombeiro e estava de folga para ajudá-la no resgate. Uma janela liga a varanda da casa dela à residência da família. Por meio dela, a dupla tentou jogar água com um balde e com uma mangueira fina.
“Escutei os gritos de socorro, vi a fumaça preta saindo pela janela”, lembra. “O Luiz Carlos tentou entrar, mas a fumaça estava muito forte e ele estava sem equipamento de segurança. Ele ficou extremamente frustrado, falando de todas as coisas que poderia ter feito e não pensou na hora. Até tive que brigar com ele, porque fizemos o máximo que podíamos.”
Dorcas disse ainda que encontrou a mãe das crianças na porta de casa, chorando muito e duvidando do que havia acontecido. “Ela gritava que o filho não estava na casa, estava na escola, e que tinha esperança de que a filha também tivesse saído. Então, três bombeiros entraram e trouxeram os corpos para fora. Eles tinham os braços queimados, a menina tinha a boca machucada.”
Um registro feito pelo morador da QNM 7, em Ceilândia, Marcos Rodrigues mostra os militares tentando controlar o incêndio. O jovem de 22 anos falou que estava na calçada e viu Nascimento passando com uma mala azul e o notebook debaixo do braço, mas não desconfiou do crime.
"Ele estava andando muito calmamente, muito tranquilo, então ninguém suspeitou de nada. A gente só reparou nele porque ele tinha uma barba muito estranha, achamos engraçado. Fui reconhecê-lo ao ver as imagens dele hoje de manhã na TV.”
Em forma de protesto pelo que ocorreu, amigos e familiares afixaram cartazes no portão da casa da família, que está fechada para perícia. Eles deixaram mensagens de carinho e pediram por justiça. Colegas de escola das crianças planejaram uma manifestação para o fim da tarde desta terça.
Família
Irmão mais velho das crianças queimadas, Marcos Paulo Silva Santos, de 21 anos, esteve em frente à casa da família na tarde desta terça. Ele disse que não queria comentar o caso, mas pediu aos amigos para jogar no chão as pulseiras e colares que já haviam comprado do suspeito. Amiga do rapaz, Gabriela Loísa disse que Nascimento costumava se encontrar com o grupo eventualmente, mas que ninguém sabia muito sobre a vida dele.
Liberada do hospital ainda nesta segunda após sofrer uma parada cardiorrespiratória, a mãe das crianças foi para a casa de familiares em Santa Maria. Os corpos das crianças continuam no Instituto Médico Legal. Não há previsão para o enterro.
Crime
Na versão apresentada à polícia, o suspeito afirmou que teria vendido, alguns dias antes, peças de artesanato ao irmão mais velho das vítimas. No fim de semana, o homem contou que havia cobrado do cliente o valor dos produtos, e ouviu que deveria ir à casa da família na segunda-feira, para receber parte do valor.
Conforme o combinado, o artesão foi até a residência e lá recebeu R$ 100 do irmão das vítimas. Pouco depois, o rapaz voltou ao local, tocou a campainha e encontrou a criança e a adolescente sozinhas. Ele disse aos dois que havia voltado porque esqueceu algo na casa.
Quando o homem falou que levaria embora um notebook para liquidar a dívida, as vítimas começaram a gritar. O suspeito, então, revelou que pôs a menina em um quarto e amarrou as mãos dela com um fio de telefone. Depois, conduziu o garoto a outro quarto e o amarrou com um pedaço de lençol rasgado.
O jovem decidiu, então, escorar cadeiras e um sofá nas portas dos dormitórios para impedir que os irmãos saíssem e colocou fogo na residência. Saindo de lá, o autor do crime ainda encontrou a mãe das vítimas na rua, que o cumprimentou.
A Polícia Civil informou que o suspeito não tinha antecedentes criminais. Ele vai responder por duplo latrocínio (roubo seguido de morte) e pode pegar até 60 anos de prisão. Detido no Departamento de Polícia Especializada, o homem deve ser transferido para o Complexo Penitenciário da Papuda ainda nesta terça-feira.
Comentários