Eis alguns conselhos para quem se encontra com Dilma Rousseff, primeira mulher eleita presidente do país, também conhecida como "Stella" nos tempos da ditadura.
Primeiro, fale rápido. Segundo, se você quer agradar, provavelmente não é uma boa ideia sugerir que o Brasil precisa de grandes reformas para continuar sendo uma das economias emergentes que mais crescem no mundo.
Em entrevista à Reuters, ela rejeitou categoricamente a necessidade de grandes cortes orçamentários ou de mudanças nas leis trabalhistas.
Questionada sobre a possibilidade de o país continuar crescendo 7 por cento ao ano sem tais reformas, Dilma balançou a cabeça, sorriu e interrompeu a pergunta. "O Brasil não está crescendo (a esse ritmo) agora?", perguntou. "Bem, então é possível", concluiu.
A aposta de Dilma é que ela será capaz de criar milhões de empregos, melhorar a infraestrutura do Brasil e aproveitar a recém-descoberta riqueza petrolífera sem se desviar substancialmente da combinação de programas sociais e políticas pró-mercado que tornaram seu ex-chefe, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, imensamente popular no Brasil e em Wall Street.
Dilma deve comandar uma expansão ainda maior da presença estatal no estratégico setor do petróleo, segundo seus assessores. Bancos estatais vão continuar tendo uma participação importante na economia, mas os temores de que Dilma governe muito à esquerda de Lula, manifestados por alguns investidores e políticos de oposição, parecem exagerados.
Um exame do período em que ela foi ministra de Minas e Energia e depois ministra-chefe da Casa Civil mostra uma tecnocrata exigente, que desdenha abertamente das ineficiências vistas com frequência no setor público. E que se cerca repetidamente dos membros mais pró-mercado dentro do PT.
CADEIA, TORTURA E MILITÂNCIA
Dilma minimiza a importância da sua juventude como militante, que a levou a passar quase três anos presa e a ser torturada pelos militares. Mas a verdade é que, embora aquela época não a tenha definido, ela foi crucial para entender sua ascensão na política brasileira.
Filha de um próspero imigrante búlgaro que fugira da opressão política no seu país, Dilma entrou para o grupo de esquerda Colina logo depois de passar no vestibular do curso de Economia da Universidade Federal de Minas Gerais.
Os grupos de esquerda que proliferavam em todo o Brasil jamais se envolveram em combates de grande escala nem constituíram uma ameaça séria ao regime militar.
Eles consistiam basicamente de células mais ou menos interligadas, sediadas em áreas urbanas e cometendo atos como roubos a bancos, explosões e sequestro e morte de figuras políticas.
Carlos Araújo, segundo marido de Dilma, era outro dissidente. Ele disse que as responsabilidades dela eram basicamente "coordenar" as ações de várias células. Com a repressão militar, ambos chegaram a passar meses foragidos, assumindo pseudônimos —"Stella", no caso dela, foi um deles.
Araújo disse que a própria Dilma "nunca pegou numa arma, e nunca deu um tiro".
Marido e mulher logo foram capturados. Dilma sofreu torturas "extremamente cruéis" na prisão, inclusive repetidos choques elétricos, segundo Fernando Pimentel, candidato derrotado ao Senado pelo PT em Minas Gerais. "Ela foi levada ao seu limite e soube superar isso", afirmou.
Mesmo antes da prisão, no entanto, Dilma já havia começado a demonstrar a veia pragmática que viria a definir sua carreira. Pimentel —seu amigo quando eram adolescentes, na resistência contra a ditadura— disse que ela "foi uma das primeiras" de nós a perceber que a guerrilha, tão desarmada e desorganizada, não conseguiria derrubar os militares.
De fato, ao ser solta, em 1973, Dilma nunca olhou realmente para trás. Retomou a faculdade de Economia e desistiu completamente da resistência ao regime, segundo Araújo.
"Assim como entramos rapidamente naquele mundo, saímos rapidamente também", afirmou ele. Os dois agora estão divorciados, mas se mantêm próximos. O carro parado na garagem da casa de Araújo, em Porto Alegre, tem um enorme adesivo da campanha de Dilma no vidro traseiro.
Como secretária estadual de Energia no Rio Grande do Sul acabou sendo reconhecida como uma administradora eficaz, ainda que não espetacular. Ela também começou a abandonar a imagem de "hippie" algo desalinhada, que usava óculos de lentes grossas, sandálias e não ligava para o cabelo, segundo Neuza Canabarro, mulher do ex-governador gaúcho Alceu Collares.
Dilma cultivou uma paixão pela poesia e a literatura —um dos seus autores favoritos é o romancista francês Marcel Proust— e teve uma única filha, Paula, que lhe deu um neto em setembro.
Mas nada indicava que chegaria a ser algo mais do que uma funcionária de médio escalão, segundo outro ex-governador gaúcho, Olívio Dutra, e outros.
"Ninguém dizia, ninguém achava —nem ela mesma— que ela jamais seria candidata majoritária a nada", disse Dutra. "Ela nunca fez nada para indicar que essa era o seu objetivo."
ESTATIZANTE, NÃO
Adversários de Dilma costumam citar a Petrobras e a enorme ampliação dos créditos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nos últimos anos como prova de que ela irá governar à esquerda de Lula.
Dilma "vai tentar centralizar a economia o máximo que puder, dando poder a grupos corporativistas e a sindicatos, acima de tudo", disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), do PSDB.
Luciano Coutinho, presidente do BNDES e forte candidato a se tornar ministro da Fazenda num governo Dilma, tem defendido que a ampliação do crédito pela instituição era uma resposta necessária à crise financeira global.
Coutinho disse não acreditar que outras empresas estatais irão "crescer enormemente" num governo Dilma. "Ela não tem uma tendência ideológica a... favorecer o setor público ou discriminar contra o setor privado. Ela é pragmática e olha primeiramente os resultados", afirmou.
Quase todos no círculo íntimo de Dilma ecoaram esse sentimento em conversas, gravadas ou em "off".
Escolhida por Lula para ser sua candidata à sucessão, Dilma se lançou na campanha como um enigma até mesmo para alguns círculos políticos em Brasília. Seu nome era reconhecido por menos de 10 por cento dos eleitores, e a indicação não foi bem recebida por alguns membros do PT, que desejavam um candidato mais conhecido e experiente.
Isso ajuda a explicar por que, desde o primeiro dia, ela jogou todas as fichas da sua candidatura numa mensagem de continuidade total das políticas de Lula, aparecendo ao seu lado em comícios e na TV sempre que possível.
Franklin Martins, ministro da Comunicação Social e também muito ligado a Dilma, disse ter certeza de que a candidata saberá forjar sua nova identidade. Outra previsão sua é a de que ela irá crescer rapidamente no papel de chefe de Estado como já fez em outros cargos.
(Reportagem de Brian Winter, Natuza Nery e Raymond Colitt)
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