Cuiabana tenta na Justiça mudar sexo em registro civil
O Judiciário Estadual vai ter que discutir, nos próximos dias, um tema polêmico: como fornecer a uma pessoa que não mudou de sexo a permissão para alterar sua Certidão de Nascimento, do sexo masculino para o feminino.
Uma ação está sendo proposta com esse objetivo pelos advogados Raphael Arantes e Felipe Arantes, em nome de A. C. J., de 33 anos, que vive na Itália.
A transexual procurou os advogados, na tentativa de compatibilizar sua condição física e psíquica ao registro civil, de forma que ela consiga levar "uma vida digna e sem preconceitos por parte da sociedade".
A. C. J. nasceu em Cuiabá e, apesar de ser do sexo masculino, conforme explicou o advogado Raphael Arantes, seu desenvolvimento tanto físico como psicológico foi semelhante ao de uma mulher.
"Hoje, ela tem família em Milão e vive maritalmente com um homem, mas não está casada oficialmente, porque precisa da alteração no documentoNa Itália, ela não passa por constrangimentos. Contudo, todas as vezes que vem ao Brasi,l sofre pelo preconceito ainda existente entre as pessoas, ao mostrar seus documentos com o sexo diferente da sua aparência, o que fere diretamente sua dignidade, causando uma situação vexatória”, explicou o advogado ao MidiaJur.
A. C. J. está em Milão há mais de cinco anos e trabalha em uma empresa terceirizada de serviços de limpeza.
“Ela foi embora porque aqui não conseguia colocação no mercado de trabalho e passava por situações de discriminação, que a colocavam ela e a família em uma situação delicada”, disse o advogado Felipe Arantes.
Os advogados sabem das dificuldades do processo, em conseguir essa alteração, principalmente por se tratar de uma ação que envolve um tema tão delicado, como é a transexualidade, além dos preconceitos ainda existentes no Brasil sobre o assunto.
“Ainda que a mudança de nome prevista pela legislação brasileira abranja apenas as hipóteses de ocorrência de erro gráfico, substituição do prenome por apelidos públicos notórios e exposição da pessoa que o porta ao ridículo, não há como negar que referida retificação irá por fim às situações constrangedoras e vexatórias por que passa, possibilitando-lhe, assim, ter uma vida social normal e sem discriminação”, destacou Felipe.
Na avaliação de Rapahel, um fato importante a ser analisado é que a alteração não trará nenhuma consequência jurídica para terceiros.
“Não há qualquer sinal de má-fé ou malicia, ou até mesmo capricho com o pedido, o que poderia ensejar o intuito de burlar a legislação. Muito pelo contrário, a retificação do nome apresenta-se como medida digna e justa, além do fato de que irá traduzir a realidade vivida pelo mesmo, tanto do ponto de vista psíquico quanto do seu exterior”, ressaltou o advogado, acrescentando que todas as certidões foram tiradas para comprovar que ela também não responde ou foi condenada em nenhum processo na esfera criminal.
Os advogados também comentaram que a alteração do sexo registral é medida cabível para o caso, em decorrência do fato de que manter o sexo masculino no registro seria um “desrespeito ao princípio da dignidade humana e seus direitos conexos e invioláveis, tais como, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem”.
Tema polêmico - Atualmente, conforme os próprios advogados destacaram, não há jurisprudência sobre o assunto.
Entretanto, um fator positivo, no ponto de vista deles, é que a então procuradora-geral da República, Déborah Dupra, protocolou uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, para que seja dada interpretação, conforme a Constituição, ao artigo 58 da Lei 6.015/73, na redação dada pela Lei 9.708/98, para reconhecer o direito dos transexuais a substituír o prenome e o sexo no registro civil, independente da realização de cirurgia de transgenitalização.
PROVAS DOCUMENTAIS - O processo, que deve ser ajuizado nos próximos dias na Comarca de Cuiabá, contém documentos que comprovariam que A. C. sempre teve acompanhamento psicológico e psiquiátrico durante anos, inclusive, na Itália. Todos os laudos médicos são unânimes ao afirmar que “ela age, pensa, fala e se porta como mulher, sendo-lhe necessária apenas a alteração de documentos”.
Questionados sobre os motivos que a levaram a não realizar a cirurgia de mudança de sexo, os advogados disseram que a opção da transexual foi em decorrência do risco que advém, pela imensa intervenção no corpo e receios naturais de procedimentos dessa natureza.
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