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Atividades mais comuns exercidas eram em feiras livres, lava-jatos e oficinas mecânicas
Afastamentos aumentam 95% este ano em Mato Grosso
Mary Juruna/MidiaNews
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Crianças trabalhando em feiras livres são comuns em Cuiabá e Várzea Grande
A Superintendência Regional de Trabalho e Emprego de Mato Grosso (SRTE-MT) já afastou 123 crianças e adolescentes de condições de trabalho infantil apenas durante os meses de janeiro e abril deste ano.
O número surpreende, uma vez que, em todo o ano de 2012, apenas 63 menores foram afastados de condições de trabalho infantil, em 256 fiscalizações realizadas.
Até agora, foram realizadas 98 fiscalizações em 14 dos 141 municípios do Estado. As operações continuam pelos demais municípios até o final deste ano. A meta do órgão é atingir 300 ações fiscais realizadas em todo o Estado.
De acordo com a coordenadora do Projeto de Combate ao Trabalho Infantil da SRTE-MT, Mariana Pacheco, este ano, as atividades proibidas mais comuns onde os fiscais encontraram crianças e adolescentes atuando foram em oficinas mecânicas, lava jatos, funilarias e feiras livres.
Mary Juruna/MidiaNews |
Adolescentes trabalhando em lava jatos é uma das atividades mais comuns fiscalizadas pelo SRTE |
“Esses adolescentes, além de estarem em atividade proibida, não tinham seus registros em livro de registro de empregados, não tinham suas CTPS [carteiras de trabalho] assinadas, recebiam valores menor que o salário mínimo, não realizavam exames de saúde, tampouco treinamento para exercerem suas funções, assim como não recebiam equipamentos de proteção, além de trabalharem após as 22h”, disse.
Ao MidiaNews, Mariana explicou que a faixa etária dos jovens afastados este ano varia de 13 a 17 anos, mas que já houve casos, em anos anteriores, de crianças menores de 10 anos atendidas pela rede de proteção – caso ainda mais comum em atividades de economia familiar, como nas feiras.
Grande Cuiabá
As feiras livres, aliás, foram os principais alvos de fiscalização do SRTE em Cuiabá e Várzea Grande, cidades onde 28 crianças e adolescentes foram afastados do trabalho infantil.
Essa realidade fez com que as prefeituras dos dois municípios firmassem um compromisso com o SRTE para evitar a proliferação do trabalho infantil nesses locais, projeto que ainda não tem diretrizes formadas ou data para ser colocado em prática.
“As prefeituras de Cuiabá e Várzea Grande se comprometeram a implementar trabalhos para erradicação do trabalho infantil em todas as suas esferas de atuação, começando pelas feiras, seja na reestruturação das feiras, seja dando o aporte necessário, como criando espaços itinerantes de lazer ou creches itinerantes, fiscalizando mais ou implementando leis que regulem a concessão de alvarás para feirantes ligado à proibição do trabalho infantil”, afirmou.
Interior e irregularidades
A fiscalização do SRTE já foi realizada, além da Grande Cuiabá, nos municípios de Água Boa, Poconé, Barra do Bugres, Alta Floresta, Paranaíta, Nova Monte Verde, Nova Bandeirantes, Nova Mutum, Tangará da Serra, Campo Novo do Parecis, Santo Antônio de Leverger, Rondonópolis.
Nesses locais, 63 autos de infração foram lavrados, que podem culminar em multas aos estabelecimentos onde as crianças e adolescentes foram flagrados em atividades proibidas. O valor da multa varia de acordo com a gravidade da atividade exercida e do porte da empresa.
“Os autos são por falta de registro profissional, por estar em atividade proibida ou sem uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e trabalhando sem a realização de exame admissional”, disse Mariana.
A coordenadora do projeto ressaltou que, em casos de economia familiar, autos de infração não são lavrados para os pais, que apenas são orientados a não deixarem seus filhos trabalharem.
Abordagem e resistência
Mariana explicou ainda que há casos já registrados de crianças e adolescentes que retornam ao trabalho informal mesmo depois de afastados, apesar do SRTE não trabalhar com um percentual do número de reincidentes.
Segundo ela, quando da abordagem dos fiscais, é feita uma ficha de verificação física para colher todos os dados dos menores afastados, como locais onde estudam, quem são os pais ou responsáveis, onde moram e se estão inseridos em algum programa de assistência social.
“É feito todo esse mapeamento para que o jovem seja encaminhado à assistência social, que é o início da rede de proteção. Aqui em Cuiabá e Várzea Grande, por exemplo, a gente faz o encaminhamento e ele é inserido no projeto ‘Me Encontrei’, que é de aprendizagem com acompanhamento, do qual o SRTE é parceiro e tem o apoio da ONU [Organização das Nações Unidas]”, explicou.
A coordenadora disse que as ações fiscais são direcionadas para as piores formas de trabalho, sejam de empresas com má gestão de saúde e segurança do trabalho ou que desrespeitam a legislação.
Ainda assim, é comum a resistência das crianças e adolescentes em aceitarem a abordagem dos fiscais e de se afastarem da atividade exercida. Isso porque, no trabalho informal, o jovem consegue ganhar muito mais do que no setor formal, uma vez que, sem carteira assinada, não há descontos de INSS e FGTS sobre o salário, por exemplo.
“O setor informal é atrativo para qualquer trabalhador em termos monetários, se você pensar só nisso. Mas em termos protetivos, não. Então, o nosso convencimento é pautado pela ideia de ganho futuro”, disse.
Mariana afirmou que os mais difíceis de serem afastados são os adolescentes, devido ao poder de consumo e, consequentemente, as dívidas que contraem.
“Eles entram no mercado de trabalho informal e já começam a fazer muitas dívidas, tem acesso ao consumo, que precisará ser diferenciado quando ele é encaminhado para o programa de aprendizagem. Na aprendizagem, por exemplo, ele teria que ganhar pelo período que ele trabalha, de quatro horas. Sendo que no setor informal ele trabalha em período integral e ganha um pouco mais”, afirmou.
Ela defendeu que é necessária a massificação da importância da qualificação profissional desses jovens, seja através da inclusão em programas de aprendizagem, acesso a cursos técnicos e universidades.
“Para tanto, o fundamental é uma modificação social de consciência, na qual a educação possa ser efetivamente valorizada em detrimento do trabalho, de modo que crianças e adolescentes se formem com consciência de cidadãos que são com direitos e deveres dentro da sociedade”, disse.
Futuro comprometido
A coordenadora afirmou que os adolescentes, por terem formação profissional, pela baixa escolaridade ou pela ânsia de demonstrar serviço para se manterem em atividade, terminam por se submeterem a riscos que um adulto não se sujeita, além de aceitarem remunerações mais baixas.
Ela defendeu ainda a importância da desmistificação da ideia de que o empregador que contrata um adolescente está sendo caridoso, ensinando-lhe um ofício. Isso porque a aprendizagem deve envolver noções básicas de segurança, por exemplo, de modo a fazer de seu trabalho uma fonte de renda, e não um modo degradante de vida, com exposição a acidentes e outros riscos.
“Aquele que ensina, embora tenha experiência na área, muitas vezes por ter sido um trabalhador infantil, não tem capacitação em termos de saúde e segurança, reproduzindo a insegurança por ele vivenciada quando criança. Além disso, por ser um trabalho informal, seja ele realizado por adulto ou por criança, é sempre fonte de lucro para o explorador, pois sonega direitos do trabalhador”, disse.
Mary Juruna/MidiaNews |
Jovens exercem atividades perigosas e sem uso de equipamentos de segurança |
“Quem emprega ganha, pois deixa de gastar uma série de recursos. Quem é empregado perde, pois deixa de frequentar a escola ou dedicar seu tempo livre a uma qualificação, sendo impedido de ascender no futuro de patamar de vida”, afirmou.
Segundo Mariana, tal prática gera a “perpetuação do ciclo de pobreza”.
“Gera aquele ciclo de repetição, no qual filhos de pais que trabalharam quando criança também trabalharão na infância e terão acesso aos mesmos subempregos que seus pais, assim sucessivamente”, ressaltou.
Causas do trabalho infantil
A coordenadora foi categórica ao afirmar que é essencial a participação do poder público no combate ao trabalho infantil, uma vez que é – muitas vezes – por falta de estrutura que os jovens se encaminham ou, nos casos mais comuns, acompanham os pais nas atividades por eles exercidas.
Mariana afirmou que é comum as famílias relatarem aos fiscais sentirem medo de deixar os filhos em casa quando moram em periferia, por exemplo, por medo de envolvimento com drogas por falta de presença e assistência dos pais.
“Há toda uma falta de estrutura que leva ao trabalho infantil. O trabalho infantil é multicausal, ele não se baseia apenas na questão de querer ir trabalhar, mas por questões de necessidade, de acesso a bens de consumo, de falta de estrutura de Estado para oferecer escolas atrativas e com qualidade e creches para as crianças permanecerem enquanto os pais seguem para o trabalho”, disse.
Fonte:
Midia News
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