Série de mortes no AM segue sem respostas Ao G1, governador disse que não tem detalhes sobre as investigações. Polícia ampliou número de operações nas ruas para tentar conter violência.
Diego da Silva Lira, 18 anos, foi uma das vítimas da
chacina ocorrida em julho (Foto: Arquivo de família)
Quase um mês após o assassinato de 36 pessoas em apenas 3 dias, em Manaus, nenhum suspeito foi preso e não há informações sobre a investigação. Questionado na manhã desta sexta-feira (14), o governador do estado, José Melo, disse que "gostaria de ter notícias" sobre o caso.
A suspeita de que as mortes tenham ocorrido em represália ao assassinato de um sargento da Polícia Militar (PM) ainda não foi confirmada.
Segundo o governador, os órgãos ligados ao sistema de segurança pública estão empenhados em solucionar os crimes.
"A Secretaria de Inteligência e a Polícia Civil estão trabalhando. O processo investigativo não ocorre do dia para a noite. Todas as medidas possíveis a serem tomadas em função daquilo que ocorreu de forma atípica, nosso governo tomou. Agora estamos na parte de investigação. Eu, como governador, estou igual a vocês. Sinto um comichão todo dia porque gostaria de ter notícias daquele fato", disse.
Eu, como governador, estou igual a vocês. Sinto um comichão todo dia porque gostaria de ter notícias daquele fato"
José Melo, governador do AM
O comandante da PM, coronel Gilberto Gouvêa, informou ao G1 que não recebeu nenhuma denúncia que aponte envolvimento de seus servidores.
"Não há nenhum indício, nenhuma prova ainda contra policiais militares. Se essas provas existirem, a Polícia Militar entra fortemente com sua disciplina para tomar providências. Até o momento não nos foram trazidas informações de envolvimento de policiais nesses casos. As investigações cabem à Polícia Civil", afirma.
Gouvêa não descarta a possibilidade de participação de PMs nas 36 mortes, mas diz que os crimes podem estar ligados ao tráfico de drogas.
"No mesmo dia em que houve esses homicídios, um integrante de uma facção criminosa foi decapitado. Acreditamos em uma espécie de vingança por parte de uma facção contra outra. Não podemos descartar nenhuma hipótese. Acredito nessa possibilidade, sem dúvida", disse.
Como foram os crimes
A chacina ocorreu entre a noite do dia 17 de julho, uma sexta-feira, e a manhã de 20 julho, uma segunda. Todos os crimes foram com arma de fogo, e a maior parte deles foi registrada nas Zonas Leste e Oeste de Manaus.
Pelo menos 16 dos casos foram cometidos da mesma forma e em um curto espaço de tempo. "Foram mortes orquestradas, com uma quantidade um pouco mais elevada de tiros e a participação de uma moto com dois suspeitos e o suporte de um carro", disse o delegado-geral Orlando Amaral, um dia após os crimes.
"Acreditamos que esse grupo estava dividido pela cidade. Eram grupos que não haviam matado pela primeira vez, sabiam o que estavam fazendo", afirmou o delegado na época. O G1 tentou novo contato com ele, mas a assessoria da Polícia Civil informou que o delegado-geral estava em diligências, assim como o titular da Delegacia de Homicídios, Ivo Martins.
O secretário de Segurança Pública do Amazonas, Sérgio Fontes, também foi procurado, mas as ligações telefônicas não foram atendidas.
Orlando Amaral disse, após os crimes, que a investigação sobre a morte do sargento da PM poderia ser essencial para solucionar o caso.
Morte de PM
O assassinato do sargento da PM Afonso Camacho Dias ocorreu na tarde de 17 de julho, quando ele saía de uma agência bancária na Zona Sul de Manaus, após ter sacado R$ 60 mil. Conforme a polícia, ele estava armado e chegou a trocar tiros com dois suspeitos. A vítima foi atingida por quatro disparos – um deles na cabeça – e morreu no local.
Grupo foi preso suspeito de participar na morte
do sargento Afonso Camacho Dias
(Foto: Luis Henrique de Oliveira/G1 AM)
Dias após o ocorrido, seis suspeitos foram presos. O delegado Adriano Félix afirmou que o grupo monitorou a rotina do PM antes de cometer o crime. Segundo ele, o sétimo suspeito de matar o PM foi baleado e morto durante uma abordagem policial no município de Iranduba, a 27 km da capital.
Vítimas
Entre as 36 vítimas da chacina de julho, estão um vigilante, um dançarino, um ajudante de pedreiro, autônomos, estudantes e um detento em regime semiaberto.
A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) informou que 9 das vítimas tinham passagens por presídios e respondiam a processos criminais: um por tentativa de homicídio, dois por tráfico de drogas, um por lesão corporal e os demais por roubo e tráfico.
Ninguém deu resposta. Temos que cruzar os braços. Nós da família não podemos fazer nada. O que a gente pode fazer?"
Irmão de uma vítima
As famílias criticam a falta de informações. "Ainda não veio ninguém, ninguém deu resposta. Temos que cruzar os braços. Nós da família não podemos fazer nada. O que a gente pode fazer?", disse um irmão do desempregado Rodrigo Anderson Carvalho, 26 anos, morto na rua Sobrinho Maranhão. O irmão preferiu não se identificar.
A mãe do pedreiro Álvaro Gabriel, de 25 anos, uma das vítimas, falou sobre a dor da perda. "Ainda não temos nenhuma resposta. Estamos aguardando. Sinceramente, não sei o que falar, não sei mesmo. É doloroso. Não é bom para nenhum pai e para uma mãe perder um filho, principalmente da maneira como ocorreu", relatou.
A família do autônomo Diego da Silva Lira, 18 anos, ficou "sem consolo", disse um parente que também não quis se identificar. No dia do crime, o jovem tinha acabado de sair da igreja e estava sentado na calçada com um amigo, Jhonatan Nobre Aguiar, 23. Quatro homens encapuzados saíram de um carro, um Celta de cor preta, e atiraram contra a dupla. "Nem ele nem o Jhonatan tinham antecedentes criminais, nada que comprometa eles", disse o parente.
Ações para conter crimes
Operações policiais e a criação de um aplicativo para envio de denúncia pelo celular foram implementados em Manaus, após a série de crimes.
As operações "Presença" e "Pescador"reuniram policiais em todas as zonas de Manaus. Carros roubados e armas já foram apreendidos durante as abordagens.
"A PM reagiu de imediato tentando capturar os criminosos e intensificamos as operações, aprimorando processos. Nos finais de semana, estamos intensificando. Podemos dizer que nossos números [de crimes registrados] são razoáveis comparado com outras cidades do mesmo porte. Manaus hoje tem dois milhões de habitantes, e temos problemas de metrópole", pondera o comandante da PM.
Manaus hoje tem dois milhões de habitantes, e temos problemas de metrópole"
Gilberto Gouvêa, comandante da PM
O aplicativo "InforMe" é o novo sistema de denúncias oferecido pela PM do Amazonas. Lançado no fim de julho, o app permite ao usuário fazer denúncias que não necessitam de uma resposta imediata, como fornecer informações sobre pontos de desmanche de veículos, locais de vendas de drogas e foragidos da Justiça. Ocorrências que precisem de atendimento rápido devem ser denunciadas pelo número 190.
O app está disponível gratuitamente para o sistema Android. O cadastro exige nome, e-mail, número do celular e a criação de uma senha. Depois de fornecer essas informações, é disponibilizado um login para acesso ao sistema.
Novos homicídios
Mesmo com ações para reforçar a segurança, a capital registrou finais de semana violentos.
Entre o último sábado (8) e domingo (9), 16 assassinatos foram registrados. Na maioria dos crimes, as vítimas foram mortas por disparos de arma de fogo. Em um dos casos, uma criança morreu após ser baleada durante tiroteio.
No último fim de semana, o relatório do Instituto Médico Legal (IML) divulgou os registros de 11 homicídios por arma de fogo, três por agressão física e dois por arma branca.
Na noite de quinta-feira (13) e início da madrugada de sexta (14), a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas registrou sete homicídios na capital.
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