Nenhuma mulher merece ser estuprada

Na última semana uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), causou alvoroço nas redes sociais, já que os dados revelados comprovam que grande parcela da sociedade aceita e defende a naturalização da violência, como o estupro, pelo discurso que determina o grau de “culpa das vítimas” ao sofrerem os ataques.

Os dados apontam que 65,1% das pessoas entrevistadas consideram que a mulher merece ser violentada, concordando totalmente ou parcialmente com afirmações como, "Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros" ou "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas".

Foi inevitável não estranhar comentários que consideraram isso uma “grande novidade”, já que também existem dados que apontam que no Brasil a cada 6 minutos uma mulher é violentada. Desta maneira, mesmo que com esperança de que a sociedade não esteja ‘naturalizando’ a violência e sem que precisássemos de nenhuma pesquisa que indique especificamente esta conclusão, isto é evidente. Se a população não achasse isso comum, não existiriam tantas vítimas com um prazo tão curto de tempo. Algo realmente sempre esteve errado e a pesquisa confirmou.

Em resposta aos dados alarmantes do IPEA, houve inúmeras publicações nas redes sociais, que protestam contra a ideia de que a culpa da violência seja da vítima, entre elas o “Eu não mereço ser estuprada” e outra entre tantas, mas que me chamou a atenção - nomeada como “Eu faço parte dos 35%”, contra os depoimentos que defendem que a mulher merece ser estuprada.

Parece ser positivo notar este apoio nas redes sociais que de certa maneira, podem influenciar a opinião pública e faz até imaginar que os entrevistados da pesquisa do IPEA, são os únicos que defendem que a vítima merece se torturada e morta pelo agressor. Não é mesmo?

O problema é que essa mesma massa que se diz parte dos 35%, apoia discursos que massacram as mulheres que saem sozinhas, mulheres que bebem tanto quanto homens, mulheres que escolherem como se vestirem, despirem ou decidem de alguma forma serem donas dos próprios corpos.

São homens e mulheres, juntos em uma massa social que carrega o mesmo conceito com passar dos séculos, e nele exercem comportamentos machistas e misóginos, na justificativa de que a mulher é antes de um ser humano, uma propriedade que precisa ser classificada como boa ou ruim, certa ou errada quando tenta ter a mesma liberdade que o sexo masculino tem. “Mulheres que não se dão o respeito e pedem para ser expostas, atacadas, violentadas, massacradas e mortas”.

Em uma sociedade que considera que tudo é um convite para a agressão ou abuso sexual, seja ele físico ou psicológico, pois “mulher tem que se dar ao respeito”, como se ele já não fosse de direito de qualquer cidadão seja qual for seu gênero; caso contrário poderá ser penalizada sem nenhum direito de defesa, é fácil definir que a maioria na verdade não está dentro dos 35%, mas nos 65%, que mantém o discurso opressor que acredita que a vítima é a facilitadora da agressão.

Vítima que não necessariamente precisa “estar de roupa curta”, vítima que não “precisa escolher o horário para sair de casa”, vítima que não “precisa saber por onde anda”, vítima que é vítima em qualquer parte do país, por simplesmente ser um alvo fácil, onde além de não poder contar com a segurança pública, precisa ter que responder aos questionamentos da sociedade, tolerar as justificativas ou julgamentos que a consideram merecedora do sadismo, tortura e morte por meio das mãos de um criminoso.

Justificar a violência sexual de um agressor contra a mulher pelas suas roupas é mesmo que defender a irracionalidade animalesca de um ser comprovado cientificamente ser racional. É querer explicar o inexplicável pela simples tolerância ao desequilíbrio do agressor ser “provocado” pela vítima, em seu ‘instinto primitivo’. Não faz sentido.

Isso não justifica estupros, nem qualquer tipo de violência, seja ela contra qualquer ser humano, mas principalmente quando se trata de vítimas mulheres, já que é estimado que 91% das vítimas de estupro são do sexo feminino e 99% dos agressores são homens. Parece pouco? Não. Mas ainda assim, há quem pense que a defesa pela luta feminina ou igualdade entre os gêneros é extrema, exagerada e sem sentido. Ora, se todos esses motivos são banais, o que será o suficiente?

Se questionar a vítima ou tentar justificar que ela é a facilitadora da agressão é uma tentativa de “reduzir” a violência, qual o motivo que impede essa mesma massa de questionar a falta de penalização para estes crimes? Falta bom senso, pois essa ‘lógica’ ignora a razão, valoriza o desumano e faz prevalecer o conformismo que não resolve a violência, mas intensifica a cegueira da sociedade, na medida em que esta deixar de perceber o óbvio: O agressor é o culpado pela agressão.

Mirella Duarte

Consultora de Mídias Sociais e Estudante Universitária

do 8° semestre de Comunicação Social - Jornalismo.