Proliferação das escolas de Medicina
É do professor Darcy Ribeiro a triste constatação de que “o Brasil é o único país do mundo, que permite ao sujeito criar uma escola - como uma padaria ou açougue – para ganhar dinheiro”. A primeira escola de Medicina no Brasil foi criada em Salvador, em 1808. Em novembro do mesmo ano, foi criada a segunda, no Rio de Janeiro. A terceira somente surgiria em Porto Alegre, em 1898.
Foram necessários 190 anos para se criarem 100 escolas médicas, sendo certo que a 100ª foi criada em Ipatinga, em 1998.
De 1998 para cá, em apenas 15 anos, foram criadas outras 116 escolas de Medicina.
Temos hoje 216 escolas médicas em atividade. São 119 particulares, 58 federais, 31 estaduais e 8 municipais, nas quais 18.903 estudantes completam o curso e recebem o diploma por ano. De 2000 a 2013, foram criadas 105 escolas médicas: 36 públicas e 69 particulares. A China, com mais de um bilhão e 300 milhões de habitantes, possui 150 cursos médicos. Os Estados Unidos, com população de mais de 300 milhões, conta com 131 faculdades de medicina. Nós só perdemos para a Índia que, com mais de um bilhão e cem milhões de habitantes, tem 271 escolas de Medicina.
Segundo dados de dezembro de 2013, a mensalidade mais cara é da Faculdade São Leopoldo, em Campinas: R$ 8.800,00. A mais barata é da Faculdade UnirG, de Tocantins: R$ 2.470,95.
Em termos de qualidade de ensino, de acordo com a avaliação do Ministério da Educação realizado em 2012, a Universidade de São Paulo (USP) desponta em primeiro lugar, com 96,89 pontos. Seguida pela Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a qual obteve a pontuação de 95,64; Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com 94,90 pontos; Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com 94,58; e Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com 94,27 pontos.
Entre as 50 primeiras colocadas, há apenas seis privadas. A primeira é a PUC do Rio de Janeiro (84,31),15ª na classificação geral. Em 19ª, vem a PUC do Rio Grande do Sul (82,94). Em seguida, a Mackenzi (71,80), 27º na geral. A PUC do Paraná aparece em 33ª (71,80). A PUC de Minas Gerais (66,77) aparece na 41ª classificação. A Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS-RS) (65,01) é a 42ª colocada. E a PUC de São Paulo (64,06) é a 43ª colocada. A última colocada recebeu com míseros 4,72 pontos. Das 192 faculdades de Medicina avaliadas em 2012, apenas 70 somaram mais de 50 pontos. Significa que 122 delas ficaram abaixo da média.
Aliado a esse ensino de péssima qualidade e pouco fiscalizado, temos o dado assustador de que dos quase 19.000 médicos que essas faculdades ‘despejam’ no mercado todos os anos, apenas 7.000 têm vaga para residência médica. Ou seja, quase dois terços – 12.000 – dos médicos que são formados todos os anos, não fazem residência médica, unicamente pelo fato de não termos vagas.
A maioria das escolas médicas do Brasil oferece uma formação de péssima qualidade. O Estado é inoperante e incompetente para fiscalizar as escolas. O Conselho Federal de Medicina também não tem ferramentas legais para exercer o controle de qualidade. A única solução, talvez, fosse a criação, através de lei federal, de um exame de eficiência, a exemplo do que ocorre na Ordem dos Advogados do Brasil, desde 1994, com a edição da lei 8.906/94.
O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) estabeleceu, desde 2005, um exame de ordem para os médicos se inscreverem naquele regional. O exame, sem amparo legal, é obrigatório. Todavia, o candidato não precisa ser aprovado no mesmo para obter o registro. Basta se submeter ao mesmo. Não tem caráter classificatório, mas apenas o cunho e objetivo de avaliar a qualidade da formação médica. Nos primeiros sete anos de aplicação do exame, a média de reprovação foi de assustadores 46,5%. Não obstante, mesmo os reprovados, obtiveram o seu registro e estão exercendo a profissão. No ano de 2013, o índice de reprovação chegou a 59,4%.
A Inglaterra, desde 2013, passou a avaliar não apenas os médicos egressos ao sistema, como também todos os médicos em exercício profissional, independentemente do tempo de experiência que os mesmos detenham e acumulem.
Até março de 2018, todos os médicos da Rainha serão revalidados e, o que nos parece mais importante, com participação efetiva e eficaz da população, que tem oportunidade de relatar ao governo eventuais más práticas, sendo que tais relatos são avaliados pelo oficial responsável pelo médico acusado.
É um ótimo exemplo que, se não possa ser seguido pelo Brasil, pelo mínimo, deve ser estudado, analisado e discutido.
Raul Canal é advogado em Brasília e especialista em Direito Médico
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