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Opinião
Quarta - 25 de Agosto de 2010 às 14:03
Por: Murilo Badaró

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Fico a matutar sobre qual o tratamento dariam os grandes escritores dos séculos XVIII e XIX a esta figura curiosa, cheia de nuanças e filigranas, denominada cabo eleitoral. Com que tintas Flaubert, Balzac, Dickens, Dostoiewsky, Machado, Camilo e tantos outros criadores de personagens imortalizados pelo talento pintariam este tipo especial, de surgimento sazonal em tempo em que mais acesamente se disputa o poder? Sua conformação física e psicológica é variada. Veste-se de trajes ajustados às diversas situações a serem enfrentadas, camaleonicamente em função das mutações ocorridas na disputa pelo mando local. Sua presença é indispensável, sendo possível construir uma lei sobre política e seu fascinante jogo de que o cabo eleitoral é indispensável ao sistema democrático. Ele acaba se transformando em personagem central da disputa pelo voto, consciente ou não. Especialmente em regiões mais desvalidas e contaminadas pela corrupção, sobretudo em período difícil em que a verdadeira representação política foi substituída pela chamada “representação de resultados”.

Analisando a forma e os argumentos com que atua, é possível identificar as variadas formas assumidas por este ente especial. Há o cabo eleitoral ideológico, com conversa empolada e carregada de frases de efeito, disposto a convencer o eleitor pela força de teses de natureza doutrinária, em que o mais forte viés é o aceno com a certeza de que o futuro será melhor e mais afortunado para os pobres e despossuídos. Depois de tentar o eleitor com argumentos distantes do entendimento comum, retorna ao candidato de sua preferência para dar conta da missão diária de arrebanhar votos. Diante da resposta ouvida, “pois sim” querendo significar “pois não” e do “pois não”, às vezes, querendo dizer “pois sim”, ilude-se o cabo eleitoral ideológico muito mais com a ilusão de sua própria doutrinação do que com a certeza do voto tentado. Há o cabo eleitoral movido apenas pelo interesse pessoal ou familiar. Este costuma ser eficiente se identificar no candidato que apóia qualquer possibilidade de êxito eleitoral. Sai a campo na busca do eleitor indefinido, gasta a sola do sapato em intermináveis caminhadas de casa em casa na busca do voto, intercaladas com visitas ao candidato, a fim de sussurrar-lhe ao ouvido não esquecer de seus pedidos. Há o cabo eleitoral ligado a alguma igreja, seja ela católica, evangélica, budista, espírita ou esotérica. Este é um cabo eleitoral que vem ganhando força e prestígio pelo exemplo abundante encontrado nas pregações expostas em rádios e televisões. Brandindo nas mãos o evangelho ou outro alfarrábio com doutrinas de acordo com sua crença, manifesta ao eleitor a ser cativado a certeza de que seu candidato poderá oferecer-lhe muito mais do que supõe sua vã filosofia. Às vezes, exagera na promessa de salvação da alma. Os mais abusados e oportunistas terminam o processo de conquista com algum pedido de espórtulas para a edificação material destinada a acolher filiados ao seu credo.

Há um tipo curioso de cabo eleitoral, este talvez o mais nobre deles, o que durante toda a vida marcou sua presença pela ajuda desinteressada aos mais pobres e flagelados. Via de regra é humilde, fala mansamente, raramente opina em matérias diferentes daquelas de seu trato diário, enfim, é o mais eficiente perante as camadas mais humildes da população.

Os cabos eleitorais são permanentemente um tratado de psicologia humana. Observá-los acaba sendo exercício curioso de identificar como as eleições servem para desnudar as virtudes e fraquezas da alma. Da mesma argila e do mesmo vaso em que todos são modelados, sê-los-ão ainda por muito tempo até que a escola da democracia consiga sua nunca alcançada perfeição.


Murilo Badaró - Presidente da Academia Mineira de Letras 



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