A cidade, a história e o rio
Muito tem-se falado sobre a revitalização do rio São Francisco e pouco sobre a revitalização das cidades que estão às suas margens. Assim como o rio, muitas delas, agonizam.
Pirapora - onde o peixe pula - cidade pólo do norte mineiro, precisa urgentemente ser revitalizada e junto ao seu povo ser feita a transposição social e cultural que coloque na pauta do dia a preservação do rio aliada ao turismo, como mola mestra de um novo tempo na região norte mineira. É preciso criar em nosso país a consciência da integração entre as pessoas e os projetos implantados, inserir o ser humano em programas pontuais, criando uma nova forma das comunidades verem e pensarem o velho mundo que as cerca. Isso é, sobretudo, o princípio da cidadania.
Os hotéis, outrora pomposos, confortáveis, constatamos o fantasma decadente de suas ultrapassadas estruturas. O exuberante vapor Benjamim Guimarães, a portentosa ponte belga, o rio, os pescadores com sua pesca artesanal, os escultores e suas carrancas, a culinária sui generis nascida entre o rio e o cerrado, as histórias que o tempo não levou, a vida barranqueira e os buritizeiros formam um cenário único, que devido a uma visão destoada da modernidade deixa tudo à míngua, esquecidas, à margem da história.
Me pego a pensar como seria Pirapora se todo esse cenário natural, gastronômico e cultural estivesse em qualquer país da Europa! É constrangedor constatar o potencial turístico de toda região e ver a penúria em que ele se encontra. Temos história, nos falta inspiração.
Longe dos investimentos e das verbas estruturais, todo um potencial magnífico rui em plena luz do dia, tendo o silêncio confortável das autoridades como cúmplice. Assim vai esfacelando a vocação turística de Minas Gerais, do sul ao norte, das águas ao sertão, enquanto os escombros de nosso tempo soterram todas as nossas esperanças.
Na Barra do Guaicuí, local do mágico encontro de Riobaldo e Diadorim, no tempo eterno da imaginação humana, poderia ter um monumento, uma praça, um ponto de visitação com encenações do histórico fato. A saga Roseana tem ali um ponto natural, com suas sombras e suas ruínas, onde poderia abrigar um centro cultural com acervos literários, documentários, fotos e tantas outras manifestações mais.
Enquanto o mundo inteiro caminha em busca das indústrias limpas, em que o turismo é a grande vedete, o Brasil insiste em destruir suas belezas doadas e abençoadas por Deus. Mundo afora, o turismo apresenta suas cifras estratosféricas, com poucos e dispersos investimentos, tendo como retorno uma extensa cadeia produtiva, empregadora e arrecadadora. Nada mais oportuno para um país de poucas oportunidades como o Brasil, como o Norte de Minas.
Pobre em indústria e rica em belezas naturais, Pirapora e as margens do rio São Francisco vivem à míngua de suas riquezas, fruto da eterna ingerência humana, triste paralelo de uma realidade cruel e terceiro mundista, de um povo que insiste em não prosperar, em não crescer. Querem o que não tem, como se garimpassem fora o fabuloso tesouro que já está descoberto, sob seus pés.
Ainda assim, o São Francisco, que é santo, doa vida a todos que estão à sua volta. Apesar de tudo, ainda é belo, maravilhoso, mágico. É apenas um corpo doente, a quinta parte do que originariamente era.
Enquanto isso, a água passa debaixo da ponte, levando nossas histórias e nossa trágica vida diária, pobre de honras, pobre de glórias. Até quando, não sei.
*Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor - www.petroniosouzagoncalves.blogspot.com
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