Lobato, Tia Nastácia e o preconceito
A cada dia vivemos uma surpresa. Agora tentam impor restrições ao livro “Caçadas de Pedrinho”, de Monteiro Lobato, classificando-o como racista ou preconceituoso, por falar da negra Tia Nastácia. Coisas de tecnocratas completamente divorciados da realidade brasileira e, ao que parece, ignorantes sobre a história e a cultura de nossa sociedade. Se conseguirem barrar o nosso maior escritor para o público infantil, esses neo-tacanhos logo estarão também perseguindo Machado de Assis, Jorge Amado e a outros autores indispensáveis à cultura nacional. Mas, mesmo assim, não terão conseguido romper com o preconceito, o racismo e outros males da sociedade.
A questão do preconceito tem sido discutida na sociedade brasileira de maneira demagógica, hipócrita e ineficiente. Aqueles que se apresentam como arautos da igualdade pensam apenas em afrodescendentes e homossexuais e, parece que propositadamente, ignoram os orientais, os judeus, os árabes, os pobres, os deficientes físicos, as mulheres e tantos outros segmentos que sofrem discriminação vinda de seus desiguais. Fazem questão de ignorar que afrodescendente e homossexual também discrimina aos demais e, portanto, não são os “coitadinhos” que seus falsos defensores querem fazer crer.
No tempo em que viveram Monteiro Lobato e Machado, o Brasil era uma sociedade altamente discriminadora e tinha nos negros o objeto maior da desigualdade, mais pela questão econômica da abolição do que pela cor da pele ou qualquer outro fator. Com o desenvolvimento, vieram outros grupos étnicos – os imigrantes – que também foram discriminados e discriminaram. Mas o país transformou-se nesse imenso caldeirão de miscigenação que tende, cada vez mais, reduzir as questões étnicas. Tanto que aqui convivem pacificamente etnias rivais em suas origens – judeus e árabes, por exemplo - e muitos brasileiros de hoje são afrodescendentes e, ao mesmo tempo, têm traços índios, europeus, orientais, etc. E a mistura, via-de-regra, apresenta excelentes resultados.
Quanto ao preconceito, já existe legislação que o criminaliza e evita os excessos. Agora, sair procurando frases ou idéias preconceituosas na obra cultural e atitude, no mínimo, idiota. A literatura, a musica, a propaganda e todas as manifestações são decorrência do clima vivido pela sociedade na época de sua produção. E, mesmo no Brasil preconceituoso dos Séculos IXX a XX, não dá para acreditar que certas obras, tenham tido o objetivo de diminuir ou ridicularizar as minorias e os desiguais.
Em vez de tentar criar uma carapaça protetora a negros e homossexuais, governo, lideranças, forças da sociedade e principalmente os intelectuais, deveriam lutar em busca de igualdade para todos os indivíduos, independente de sua cor, raça, religião, orientação sexual e nível econômico. Só seremos uma sociedade justa no dia em que todos tivermos a cidadania respeitada, com direitos e deveres iguais. Aqueles que hoje estabelecem cota para negro, mulher ou qualquer outro segmento, deveriam parar com isso porque, a partir do momento em que entra na universidade, no emprego ou em qualquer lugar pela porta privilegiada, o indivíduo fica marcado e, aí sim, a desigualdade é fortalecida.
Igualdade é a palavra de ontem. Todo o resto é retrocesso e motivo para os ditos “defensores” se aproveitarem daqueles a quem dizem defender. É a neo-escravatura...
Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves – dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo)
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