Um corpo insepulto
Eram os anos de chumbo no Brasil. No Chile, muitos brasileiros viviam o exílio, entre eles o jornalista mineiro José Maria Rabelo, que dirigia um importante instituto na periferia de Santiago. O sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que sempre fazia questão de se mostrar boa praça entre os exilados - Fernando Henrique viveu um exílio voluntário - ostentava o cargo de diretor das Organizações das Nações Unidas. Uma bela noite, atendendo ao convite de José Maria Rabelo, Fernando Henrique fez uma bela palestra em seu instituto.
Ao final do evento, sabendo que José Maria não possuía carro, Fernando Herinque, que morava na mesma região do amigo brasileiro, perguntou em alto e bom som: “Zé Maria, você está de carro?”. Zé Maria ao dizer não, aceitou a carona de Fernando Henrique. Depois de muito rodar pela capital chilena dentro do imponente Mercedes-Benz da ONU, a chuva os pegou nos arredores de suas casas, quando, surpreso, Zé Maria ouviu constrangido a pergunta de FHC: “Ô Zé Maria, aqui já está bom para você?”. Como manda a boa tradição mineira, Zé Maria respondeu baixinho: “Uai, está bom sim”. E foi deixado ali pelo amigo, na chuva e no frio, até terminar sua viagem de taxi.
Fernando Henrique Cardoso só não sabia o que o destino havia lhe reservado. Anos depois, foi deixado, entre uma palestra e outra, na chuva e no frio pela história, se tornando um exilado em seu próprio país.
FHC é um clandestino ideológico, um corpo político insepulto, que espalha seu mau cheiro entre aqueles que estão a sua volta, aqueles que vivem a sua sombra. José Serra e Geraldo Alckmin sabem muito bem o quanto é desagradável esse mau cheiro e que nada, ou quase nada, cresce a sua sombra.
Pesa sobre o cadáver político de FHC uma política entreguista, usurpadora, servil; de doação do patrimônio público; submissão à política internacional, ao FMI; o sucateamento do Estado, dentro de uma política de administração zero; de adoração ao mercado financeiro - essa entidade sem rosto e sem pátria; as medidas antinacionais e antipopulares; o culto extremado à vaidade, ao personalismo; o compadrio; o fisiologismo; o mensalão ideológico e a compra da reeleição; a interferência direta nos poderes, com a criação e a exímia atuação do engavetador geral da república; o desdém às Forças Armadas e à Polícia Federal; as péssimas e criminosas gestões nas estatais para justificar suas privatizações; o desmatelamento do sentimento de nação.
Não há precedente na história do Brasil de uma figura que depois de galgar os mais altos cargos públicos tenha sido legada ao esquecimento. Nem o Collor, que entrou na presidência da República pela porta da frente e saiu pela porta do fundo, corrido.
FHC é quase uma sombra, um vulto, uma assombração. Quando José Serra fez seu discurso de reconhecimento da derrota, transmitido ao vivo por todos os canais de rádio e tv, assistimos ao revelador episódio quando a filha de Serra se esmerou em alertar o candidato sobre a presença de um ex-presidente entre os correligionários. Serra olhou, virou-se à filha e falou: Ah, o Fernando Henrique, tudo bem! E voltou-se para seu discurso, sem uma menção sequer do ex-presidente e ex-chefe.
Ainda assim, FHC deve agradecer aos céus. Pois outros presidentes que implantaram em seus governos a mesma política que ele adotou no Brasil enfrentaram, além do ostracismo, a justiça, e foram todos condenados, como foi com o Menem na Argentina e Fujimori no Peru.
Mas como a sociologia ensina e FHC propaga, o Brasil é o país da boa convivência e tem um povo muito generoso. Seu grande erro foi acreditar que além de tudo, o povo era bobo.
Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor
www.petroniosouzagoncalves.blogspot.com
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