Educação de berço
A mais importante educação que alguém possa receber é aquela que vem de casa. O lar é a primeira escola na vida de uma criança. Os pais têm uma missão divina. Burilar a mente de seus filhos, transmitindo-lhes os valores que irão servir de base para a formação de seu caráter e personalidade: moral, ética, disciplina, respeito aos mais velhos e às instituições. Esses valores, quando bem incorporados à mente das crianças, as acompanharão pelo resto de suas vidas.
Para o bom desempenho dessa missão, os pais não necessitam do saber acadêmico. Basta, tão somente, colocar amor, e muita paciência, nos ensinamentos transmitidos.
Eu tive a sorte e o privilégio de ter tido pais assim. Educadores natos e sensíveis, em que a ausência do saber acadêmico não foi impedimento para que cumprissem com êxito a missão a eles confiada.
Minha mãe era de prendas domésticas, não concluiu o primário. Meu pai, dono de um bar, também não possuía grandes instruções acadêmicas. Mas, quanta sabedoria existia naquelas mentes!
Meu pai trabalhava o tempo todo fora de casa, inclusive aos domingos. No Natal, Ano Novo e Carnaval - à noite. Nunca celebramos a Ceia do Natal ou a festiva e tradicional entrada do Ano Novo!
Meia noite em ponto, nas noites de Natal e Ano Novo - durante 35 anos - o Bugre do Bar telefonava para cumprimentar a minha mãe que, acordada, aproveitava o tempo para colocar em dia os inúmeros afazeres domésticos. Enquanto isso, nós, crianças ainda, dormíamos o sono pesado da felicidade. Crianças saudáveis, protegidas e amparadas pelo amor dos pais, dormem, como se costuma falar, o sono dos anjos. Assim era a nossa noite do nascimento de Jesus.
Como me lembro dessa dupla maravilhosa de educadores que foram os meus pais! Passagens edificantes e prazerosas passam constantemente pela minha mente. Coisinhas bobas até, mas repletas de calorosas lições.
Dia desses estava debaixo do chuveiro preparando-me para ir ao consultório. De repente me veio à lembrança um dos ensinamentos da minha mãe. A minha emoção foi tão forte que cheguei a ter a impressão de que ouvia a sua voz dizendo-me: “Menino, aprenda a limpar os pés. Use um pouco de sabão em cima dos pés e muito cuidado para não escorregar.” O banho era tomado numa pequena calçada que fazia o entorno do tanque nos fundos do casarão da Rua do Campo. A água era retirada do tanque com uma pequena lata de banha de porco. O corpo era esfregado com uma bucha, produto de uma trepadeira da família das cucurbitáceas.
A limpeza dos pés era uma verdadeira engenharia de arte. “Meu filho, coloque a sola do pé direito em cima do esquerdo e esfregue bem. Depois faça o mesmo do outro lado”.
Confesso que ao fazer essa manobra no meu banheiro, debaixo do chuveiro, cheguei às lágrimas.
Que mundo maravilhoso eu tive a sorte de viver! No mundo globalizado de hoje, em vez da mamãe, é a babá que ensina essas pequeninas coisas às crianças.
Feliz-infeliz globalização e tempos modernos! As crianças afastadas de seus pais e a tecnologia ocupando o lugar das brincadeiras e descobertas ao ar livre. Acho que as crianças de hoje nem sujam os pés!
Difícil, no mundo atual de tantas conquistas, a presença integral da mãe no desenvolvimento e crescimento dos seus filhos. É preciso, entretanto, compreender que no mundo de hoje, como no de ontem, é mais importante ser do que ter.
Não estou em crise de melancolia, mas a presença dos pais é insubstituível nos pequenos detalhes iniciais da vida de uma criança.
Criança sem esse berço de coisas pequenas é um adulto carente de grandes bens materiais.
“Lave bem os pés, meu filho!”
* GABRIEL NOVIS NEVES é médico e ex-reitor da UFMT
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