Dia de posses
Não assisti pela televisão à posse dos nossos novos governantes. Nada a ver com a noite do Réveillon, que passei na mais santa paz de Deus no meu sobradinho. Recebi o Ano Novo ao lado de duas irmãs, dois cunhados, um sobrinho e sua mulher e uma cunhada - minha sócia em negócios literários.
Um pouco antes de o Novo Ano chegar, a chuva desabou sobre a cidade. Pequeno aviso da natureza, lembrando a todos que devemos, no Ano Novo, lavar as nossas almas das impurezas deste mundo poluído por atitudes não muito humanas.
Mesmo com a noite escura, deu para observar alguns pontos luminosos produzidos por fogos de artifício, bastante discretos, lembrando o nascimento do Novo Ano.
A minha irmã mais nova, supersticiosa como ela só, trouxe uma travessa de lentilhas com piqui. O efeito visual do prato era mais belo que o seu sabor. O amarelinho do piqui eu entendi ser ouro. As lentilhas eu estou até agora matutando o que significam.
Como ninguém é de ferro para suportar toda essa descarga de emoções, separei algumas garrafas de refresco escocês 21 anos. Aquele que não é servido com açúcar ou adoçante, e sim com gelo.
Fotografei com o meu celular todos que passaram pelo meu sobradinho. É a minha mais nova mania.
A mesa da ceia ficou no subsolo do sobradinho. Nada de horário pré-determinado para a ceia. De acordo com o relógio biológico, cada qual descia pela escada e ceava. No retorno fornecia impressões sobre o que valia a pena comer.
Após a saída do grupo dos sete, a minha cuidadora noturna comentou comigo que os dois leitõezinhos estavam pele e osso!
Assim foi a minha entrada em 2011. Comer, em qualquer festa, significa despedida – e logo caí na realidade. Estava só, mesmo com a mudança do ano.
Vou ao computador retirar as fotos do celular e escolher as melhores para legendar. Este ano a vencedora foi um prato de rabanada, em close. A legenda ficou boa, e até hoje estou colhendo frutos da solidariedade despertada.
Descansei um pouquinho do que sobrou da noite do dia 31. Pela manhã, tinha tanta coisa interessante para fazer que nem liguei a televisão. Quando os meus filhos chegaram para o almoço, comentaram sobre a posse do novo governador. Inclusive um deles compareceu à Assembleia Legislativa. Outros assistiram pela televisão.
O assunto dominante foi a ausência do grande líder e a sua justificativa para o não comparecimento! Muitos ficaram mais uma vez decepcionados.
Respondendo às indagações dos meus filhos sobre a atitude do chefe, respondi ser normal. Lembrei uma frase famosa: “O estilo é o homem” - e me calei. Agora, que foi um gol contra, lá isso foi. É tudo o que sei sobre a posse por aqui.
O almoço do 1º dia do Ano Novo foi o tradicional prato francês - Déjà vu! São as sobras da ceia. De sobremesa as tortas imexíveis da noite anterior.
Dizem que torta faz mal com refresco... E ninguém se aventurou a experimentá-las.
Após o almoço com as crianças, cumpro o estatuto do sono pós-prandial.
Ao acordar, estava encerrada a posse de lá. Pela televisão fiquei sabendo que o sucesso por lá foi a ex-miss São Paulo. Dizem que a esposa do “novo” vice-presidente da República roubou a cena. Lamento não ter assistido. Estava um pouco desmotivado, por achar as posses de lá parecidas com os shows de final do ano do Roberto Carlos. Repetição de velhas coisas e velhos personagens. Lá também choveu, talvez, chuvas de lembranças. O presidente do Congresso é o mesmo chefe do partido do golpe que mandou prender a presidenta. Agora empossou!
Única modernidade lá foi o cumprimento com beijinhos no rosto! Era a posse da 1ª mulher no cargo. Os beijoqueiros são os de sempre - porém envelhecidos, mesmo com o disfarce dos cabelos pintados.
Daqui a quatro anos me esforçarei para não assistir ao espetáculo. Não suporto replay.
* GABRIEL NOVIS NEVES é médico e ex-reitor da UFMT
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