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A Despedida
Era um dia de muitas chuvas. Bem mais que o anterior. Dudu, entretanto, não estava nem aí para o tempo chuvoso. Sua preocupação tinha outra razão. Tanto que se mostrava desinteressado em brincar com os pingos que acharam guarida na varanda, formando uma pequena poça, e, tampouco, se entusiasmou com a maneira toda saltitante de ser de sua parceira, Rubi, com a qual viviam a rolar pela casa. Seus olhos se encontravam perdidos em um vazio. Pareciam visualizar outro cenário, que nenhum pouco se assemelhava com a rotina do lugar, cujo desenho e apetrechos espalhados por seus cômodos não lhe atraiam. Não naquela tarde. Tarde de despedida.
Despedir, de acordo com o dicionário da língua portuguesa, é o mesmo que separar-se de alguém ou, no caso, de um animal. A primeira palavra substitui à segunda, e esta a aquela, sem qualquer prejuízo para a oração, frase ou parágrafo. Ambas, porém, não ocupam o vazio deixado por quem parte, nem preenchem a ausência sentida tanto para quem fica como para aquele que vai embora. Mesmo que os rastros deixados à porta, quando se despediram secamente, desapareciam à medida que a faxineira avançava em sua tarefa.
O passar pano leva a sujeira. Mas, de forma nenhuma, elimina as pegadas deixadas pelo cãozinho. São pegadas fortes. Elas marcam e denunciam suas características. Próprias de um animal caçador, de uma elegância sem igual. Dono de uma movimentação harmoniosa, segura, poderosa e desinibida. Apesar de seu tamanho – bem menor que a maioria dos de sua Raça, embora tão temperamental quanto os demais, o que fazem deles agradáveis cães de família.
Está explicado, senão justificado todo esse apego das pessoas da casa com relação a ele.
Mas naquela tarde, Dudu não estava com cara de bons amigos. Não desgruda os olhos da gente. Desconfiava de algo. Talvez tivesse medo de que se fizesse com ele o que aconteceu com muitos animais de estimação japoneses diante do terremoto e do tsunami que, ao levarem a vida de seus proprietários, os deixaram abandonados.
Dudu não foi abandonado. Mas levado para morar em um lugar distante. Longe dos olhos de quem também o viram crescer e ganhar corpo.
Separação que dificilmente será superada. Isso porque o superar, aqui, tem o sentido de esquecimento. Sensação que ninguém quer passar. Ainda que necessária. Embora a contragosto. Pois a vontade que realmente se tem é de correr até o seu encontro – tomar-lhe nos braços e, depois, fugir dali, no caminho de volta. Antes mesmo que o dito cão se perceba de todo acontecimento, cujo enlace se dá por tijolos da desunião e na argamassa do afastar. Verbos que destoam, e muito, de outro, que representa o estar junto, do viver para e em função do outro, como diz a cartilha sobre a vida a dois – em uma cotidiana viagem de compartilhamento.
Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A Gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: Lou.alves@uol.com.br.
Despedir, de acordo com o dicionário da língua portuguesa, é o mesmo que separar-se de alguém ou, no caso, de um animal. A primeira palavra substitui à segunda, e esta a aquela, sem qualquer prejuízo para a oração, frase ou parágrafo. Ambas, porém, não ocupam o vazio deixado por quem parte, nem preenchem a ausência sentida tanto para quem fica como para aquele que vai embora. Mesmo que os rastros deixados à porta, quando se despediram secamente, desapareciam à medida que a faxineira avançava em sua tarefa.
O passar pano leva a sujeira. Mas, de forma nenhuma, elimina as pegadas deixadas pelo cãozinho. São pegadas fortes. Elas marcam e denunciam suas características. Próprias de um animal caçador, de uma elegância sem igual. Dono de uma movimentação harmoniosa, segura, poderosa e desinibida. Apesar de seu tamanho – bem menor que a maioria dos de sua Raça, embora tão temperamental quanto os demais, o que fazem deles agradáveis cães de família.
Está explicado, senão justificado todo esse apego das pessoas da casa com relação a ele.
Mas naquela tarde, Dudu não estava com cara de bons amigos. Não desgruda os olhos da gente. Desconfiava de algo. Talvez tivesse medo de que se fizesse com ele o que aconteceu com muitos animais de estimação japoneses diante do terremoto e do tsunami que, ao levarem a vida de seus proprietários, os deixaram abandonados.
Dudu não foi abandonado. Mas levado para morar em um lugar distante. Longe dos olhos de quem também o viram crescer e ganhar corpo.
Separação que dificilmente será superada. Isso porque o superar, aqui, tem o sentido de esquecimento. Sensação que ninguém quer passar. Ainda que necessária. Embora a contragosto. Pois a vontade que realmente se tem é de correr até o seu encontro – tomar-lhe nos braços e, depois, fugir dali, no caminho de volta. Antes mesmo que o dito cão se perceba de todo acontecimento, cujo enlace se dá por tijolos da desunião e na argamassa do afastar. Verbos que destoam, e muito, de outro, que representa o estar junto, do viver para e em função do outro, como diz a cartilha sobre a vida a dois – em uma cotidiana viagem de compartilhamento.
Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A Gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: Lou.alves@uol.com.br.
URL Fonte: https://arenapolisnews.com.br/artigo/578/visualizar/
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