O Capitão América
Na minha época de juventude fervilhavam idéias de um mundo mais justo. Justo, fraterno e igualitário, dizíamos. E disso resultavam reuniões e passeatas. A passeata era uma aglomeração de pessoas que caminhavam em sinal de protesto, reivindicando melhorias na educação, por exemplo. Não se parece com esses encontros que hoje se marca pelo Orkut para protestar contra o preço do pastel na cantina da escola ou para briga de travesseiros. Nossa preocupação era mais ampla, geral e irrestrita.
Havia a preocupação com a leitura, por exemplo. Aliás, há anos escrevi e hoje estava lembrando quando saí à compra de uma estante. Estante para livros, não rack para colocar aparelho de som ou toca CD. Encontrei vendedores que não sabiam o que era estante. Virou artigo de museu, como a minha vitrola. O mundo está ruim? Creio que não, pensei. Há sempre algo pior, como ser prefeito de Várzea Grande ou diretor da Agecopa, dois cargos dos mais importunados do mundo!
E volto à escrita porque dia desses encontrei no bom e tradicional restaurante da Praça Oito de Abril, em Cuiabá, o também bom e tradicional professor Alfredo da Mota Menezes. Naquela época ele era o Alfredão, defensor da política que chamávamos “neo liberal” e legítimo representante da tal social democracia.
A minha geração de historiadores teve o beneplácito de ter aulas, na UFMT, com o Professor João Fortes, que entrava em sala cantando a Internacional: “de pé ó vítimas da fome, de pé, famélicos da terra”, e reverenciava os proletários do mundo com seu canto. Não era mais um professor, era fervoroso. Era o Professor João Fortes!
Tivemos a oportunidade da contradição, que hoje compreendo melhor. O Alfredão dizia que privatizar as empresas públicas que operavam no vermelho era bom para o trabalhador brasileiro, que delas ficaria livre. Ele desmontava o conceito de que tudo que os Estados Unidos fazia era para prejudicar o Brasil. Lembro dele me dizendo: você pensa que nos Estados Unidos tem uma lojinha onde todo dia vão trabalhar e a missão é ferrar o Brasil? Não existe esse endereço, o Brasil que tropeça em razão da política econômica que adota, dizia.
Creio que o amor ao debate os unia, além de esmiuçarem o senso comum. Estávamos na academia! Um era comunista convicto, estatizante, defendendo a participação estatal por tudo e por todos. O outro liberal de carteirinha, social democrata, defensor da idéia de que o Estado deveria se preocupar com o essencial. O restante, o mercado resolve.
E neste rápido encontro com o Professor Alfredo ele se lembrou do dia em que chegou à sala de aula e tinha, sobre sua mesa, uma caricatura dele como o Capitão América. Entre os alunos ele era mesmo, foi batizado: Capitão América. E como estava de saída do restaurante, ainda provocou: e hoje, Franco, o que você me diz, a privatização não melhorou o serviço público?
O que resta é a certeza do quanto é bom o professor não passar incólume em nossa vida, ofertar construção do conhecimento sem imposição de dogmas, preparando o futuro profissional às indagações da vida e ao diálogo constante com a realidade. E fizeram com perfeição.
Neste 30 de março, Dia Mundial da Juventude, saudoso eu posso afirmar que também cresci e aprendi com o Capitão América e agradeço aos meus professores pelo jovem que conseguiram formar.
*Franco Querendo é professor, historiador e advogado. Email: francoquerendo@hotmail.com
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