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Opinião
Quarta - 06 de Abril de 2011 às 15:02
Por: Enildes Corrêa

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“A morte é companheira da vida”. Hélio Corrêa da Costa. “Cada momento é o último momento. O próximo momento nunca chega. O que é realidade é o aqui e agora.  Acorde para este momento e apenas esteja no aqui e agora”.  Kiran Kanakia

Recebi a notícia de falecimento da amiga indiana, Vinodini Kanakia, que me chocou, pois foi totalmente inesperada.  Liguei para sua casa, em Poona, e  seu filho deu-me a notícia:  “Mamy faleceu no dia 14 de março”.  Quase não conseguia acreditar.  Meu Deus! Havia falado com ela há tão pouco tempo!   
 
Mais uma vez, diante de acontecimentos inesperados, que nos deixam pasmos, é inevitável lembrar do que disse seu marido, Kiran Kanakia, há vários anos, em uma das reuniões com os seus amigos de várias partes do mundo:

 “A vida é mudança e movimento. Não há nada permanente na vida. Se há o tempo todo  alguma coisa mudando e movendo, não existe  perfeição. Existe movimento. Existe mudança.  Essa é a natureza  da vida, a qual  é insegura, incerta e tem um futuro desconhecido”. 
 
Parece que a morte repentina de entes queridos é um dos fatos que mais nos forçam a  tomar consciência dessa verdade sobre a natureza da vida.  Não temos controle sobre nada nem ninguém... Atualmente, as tragédias ambientais também estão  remetendo-nos a essa realidade.

Quando uma pessoa próxima morre é comum a visão de cenas da convivência que tivemos com ela, não? Cenas que passam sem nenhuma sequencia que obedeça a uma ordem lógica. Simplesmente, vem e vão. Recordo-me de quando Kiran e a sua amada companheira estiveram em minha casa, em Cuiabá, em 1999. Vinodini e eu preparávamos o famoso “chai” indiano para servir aos visitantes que vieram conhecer Kiran, Mestre espiritual iluminado.

Eu tentava transferir rapidamente o conteúdo líquido fervente para o bule, uma vez que eu estava com certa pressa e ela então, com o jeito paciente dos indianos,  disse-me:  “slow, Saraas, slow” (devagar, devagar).  Suas palavras, ditas de modo pausado, bem de acordo com a sua orientação, tiveram o poder de desacelerar-me, imediatamente.  Estava fazendo uma ação de maneira apressada e sem estar inteira lá, não conectada com aquele momento presente, uma vez que estava ansiosa para correr até a mesa e servir o “chai” aos meus convidados. A minha atenção estava deslocada da ação que acontecia no aqui e agora e a mente movia-se para o futuro imediato. Então, Mamy, como costumávamos chamá-la, lembrou-me com apenas duas palavras de ficar consciente em cada gesto, em cada ação que executava. 

A vida nos dá a oportunidade de despertar e de ficarmos conscientes a todo momento, em conexão natural com o estado meditativo, seja no preparo do café da manhã, seja ao ver a imensidão do céu com a exuberância das cores que se revelam num lindo amanhecer ou entardecer.  Mas por conta da mente atrelada ao passado ou ao futuro, perdemos a chance de ficarmos conscientes no aqui e agora e do despertar para a vida em cada instante...

A memória destampa-se e vai abrindo a caixa das lembranças desse convívio; as imagens sucedem-se umas às outras.  Após o satsang com Kiran, éramos convidados por ele e a Mamy para ceiarmos juntos. Quantas vezes jantei na casa daquele divino casal! Eu e tantos outros amigos, buscadores espirituais que viajavam para a Índia, vindos de distantes e distintos países em termos de cultura e tradição. Pessoas de várias nacionalidades reunidas, que se unificavam e comungavam umas com as outras sentadas àquela especial mesa de jantar, sem nenhuma discriminação ou preconceito de qualquer natureza com a procedência de cada um.

Eu tinha sempre a impressão de que o tempo reduzia seu ritmo e transcorria em câmera lenta, bem lenta naqueles momentos das nossas santas ceias... Respirava-se puro amor, silêncio, sentimento de gratidão e celebração ao redor daquela sala de jantar.  Havia um brilho singular nos olhos de todos, espelho do contentamento de cada coração lá presente.

Agora, com o coração apertado, perguntei-me: como ficará aquela casa onde viviam quatro gerações juntas – avó, pais, filhos e netos - sem a presença forte da matriarca da família? Como lidarão com o vazio do lugar da cabeceira da mesa de jantar, em que costumavam sentar o patriarca Sufi e a grande Mãe? Ambos existindo em outra dimensão, que transcende a forma, o corpo, o tempo...

Enquanto isso, chegam aos meus ouvidos trechos da música de Nelson Gonçalves, “Naquela Mesa”: “eu não sabia que doía tanto uma mesa num canto, uma casa e um jardim”.  E o seu refrão (convertido para o plural):  “naquela mesa tá faltando eles e a saudade deles tá doendo em nós...”.

Os momentos compartilhados de silêncio e de celebração ficam como uma bela tatuagem impressa na história de cada convivência humana. Neste caso de Vinodini Kanakia, registro as inúmeras santas ceias das quais participei em sua casa ao lado de Kiran e seus amigos, os picnics com os aprendizes sufis na Índia, Europa e Brasil (aqui por duas vezes). Hoje, na idade da maturidade, sei que no fim, tudo passa - as alegrias, as dores... Todavia,  a celebração da vida que se renova em cada respiração é eterna. 

Obrigada Mamy pela sua amizade e pela acolhida de todos nós – aprendizes sufis – na sua Sagrada casa. Que os Sufis do Universo lhe dêem a Mão na sua Santa Travessia para o Eterno.  Amém.

Namastê.

31/03/2011

BENEDITA ENILDES DE CAMPOS CORRÊA é Administradora e Terapeuta Corporal Ayurveda. Ministra seminários vivenciais na área de Qualidade de Vida a organizações governamentais e privadas. Autora de Vida em Palavras – coletânea de crônicas. E-mail: omsaraas@terra.com.br

 



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