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Obra Genial, Nem Tanto
“Enquanto o ditador dormia”, o mais recente romance de Domingos Amaral, promete bem mais do que de fato pode oferecer, e está muito aquém de outros que já foram comentados nesta coluna. Nem por isso, evidentemente, o livro deixa de ser uma leitura interessante. Pois apresenta Lisboa como oásis para os refugiados, enquanto grande parte da Europa era destruída pela Segunda Guerra. Era início da década de 1940, em meio à suposta neutralidade de Salazar, com a sua PVDE (polícia) fazendo vistas grossas, o que possibilitou o surgimento de uma briga entre espiões ingleses e alemães. Jack Gil, o personagem-narrador, conduz o leitor a este cenário, cheio de “sombras e de amores”.
Oculto e noturno, “onde se usavam regras imorais ou ilegais”, e se davam “as aventuras de alcova, pecaminosas”.
Os prazeres se entrelaçam a amores, e estes apimentam aqueles. Contudo, diz o personagem-narrador, não se iluda, “são as mulheres que escolhem os homens”, no mesmo instante em que relembra as aventuras vividas com Mary, Alice e Anika. Pois até então, confessava, “estava convencido de que era um homem dado a aventuras amorosas, conquistas e perdas”. Porém, quando da estréia do “Casablanca”, notara que amava e era amado; enquanto a maioria dos presentes no cinema batia “palmas para as imagens da rendição dos alemães”. Entre uma notícia e outra, seguiram-se as imagens de Portugal e as obras do regime, “destilando a habitual e cansativa propaganda”. Os primeiros assobios de protestos não fizeram por esperar. Era o momento de subversão. Sentimento próprio daqueles dias, “carregado de esperança de mudanças”. Essa agitação, no entanto, foi substituída por um silêncio. O filme exercia, assim, o seu efeito de sedução.
Não o mesmo efeito de sedução que possuía Salazar. Mas este “controlava a polícia e a tropa, e as oposições eram mais um sentimento do que uma força política bem organizada”. Isso, por outro lado, dava mostras de que o ditador “não dormia no ponto”. Tanto que, nos anos da guerra, mostrou “uma habilidade notável para manter Portugal fora do conflito”, e usufruir-se dos benefícios de se colocar como neutro, mesmo ciente do perigo do avanço comunista.
Lances da guerra que se misturam aos envolvimentos amorosos dos personagens, os quais tinham – cada um a seu modo – papel no desenrolar das brigas entre espiões. Brigas que levaram Jack Gil Mascarenhas a ir embora dali, sob a desculpa de ampliar os negócios da família. Foi, acompanhado da mulher, sem nunca ter planejado em voltar. Mas, o casamento do seu neto com uma portuguesa, o fizera retornar.
“Resmunguei e protestei: 85 anos, dores nas costas, aviões, aeroportos, malas”. “Um homem, quando chega a essa idade, quase só sente agitação na memória”. Relembrava de tudo, e quase desse tudo passou a contar para o neto, já em Lisboa. “Invadiu-me uma enorme nostalgia”. “Senti-me triste como nunca”. “Foi aí que o “Casablanca” veio ao meu auxílio. Na tela, em pleno Rick`s Bar, um coronel alemão aproxima-se da orquestra e exige que ela comece a tocar o hino nazi, o Die Wacht AM Rhein. Os primeiros acordes alemães. Mas depois, vemos uma mulher cantar A Marselhesa, o hino da França”. Derrepente, todos do bar cantavam. “Nesse momento, pessoas da platéia do Politeana começaram também a cantar, imitando o filme (...), enquanto na tela assistíamos à fúria, à raiva do comandante nazi. Luisinha deu-me a mão. A tristeza abandonou-me e soube que amava aquela mulher”. Foi, então, que o personagem-narrador vira para o neto, e acrescenta: “o resto já tu sabes. Eu e a tua avó fomos muito felizes”.
Assim, “Enquanto o ditador dormia” é um livro que fala de amor, da guerra, de espionagem e de uma Lisboa cheia de contradições.
Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A Gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: Lou.alves@uol.com.br.
Oculto e noturno, “onde se usavam regras imorais ou ilegais”, e se davam “as aventuras de alcova, pecaminosas”.
Os prazeres se entrelaçam a amores, e estes apimentam aqueles. Contudo, diz o personagem-narrador, não se iluda, “são as mulheres que escolhem os homens”, no mesmo instante em que relembra as aventuras vividas com Mary, Alice e Anika. Pois até então, confessava, “estava convencido de que era um homem dado a aventuras amorosas, conquistas e perdas”. Porém, quando da estréia do “Casablanca”, notara que amava e era amado; enquanto a maioria dos presentes no cinema batia “palmas para as imagens da rendição dos alemães”. Entre uma notícia e outra, seguiram-se as imagens de Portugal e as obras do regime, “destilando a habitual e cansativa propaganda”. Os primeiros assobios de protestos não fizeram por esperar. Era o momento de subversão. Sentimento próprio daqueles dias, “carregado de esperança de mudanças”. Essa agitação, no entanto, foi substituída por um silêncio. O filme exercia, assim, o seu efeito de sedução.
Não o mesmo efeito de sedução que possuía Salazar. Mas este “controlava a polícia e a tropa, e as oposições eram mais um sentimento do que uma força política bem organizada”. Isso, por outro lado, dava mostras de que o ditador “não dormia no ponto”. Tanto que, nos anos da guerra, mostrou “uma habilidade notável para manter Portugal fora do conflito”, e usufruir-se dos benefícios de se colocar como neutro, mesmo ciente do perigo do avanço comunista.
Lances da guerra que se misturam aos envolvimentos amorosos dos personagens, os quais tinham – cada um a seu modo – papel no desenrolar das brigas entre espiões. Brigas que levaram Jack Gil Mascarenhas a ir embora dali, sob a desculpa de ampliar os negócios da família. Foi, acompanhado da mulher, sem nunca ter planejado em voltar. Mas, o casamento do seu neto com uma portuguesa, o fizera retornar.
“Resmunguei e protestei: 85 anos, dores nas costas, aviões, aeroportos, malas”. “Um homem, quando chega a essa idade, quase só sente agitação na memória”. Relembrava de tudo, e quase desse tudo passou a contar para o neto, já em Lisboa. “Invadiu-me uma enorme nostalgia”. “Senti-me triste como nunca”. “Foi aí que o “Casablanca” veio ao meu auxílio. Na tela, em pleno Rick`s Bar, um coronel alemão aproxima-se da orquestra e exige que ela comece a tocar o hino nazi, o Die Wacht AM Rhein. Os primeiros acordes alemães. Mas depois, vemos uma mulher cantar A Marselhesa, o hino da França”. Derrepente, todos do bar cantavam. “Nesse momento, pessoas da platéia do Politeana começaram também a cantar, imitando o filme (...), enquanto na tela assistíamos à fúria, à raiva do comandante nazi. Luisinha deu-me a mão. A tristeza abandonou-me e soube que amava aquela mulher”. Foi, então, que o personagem-narrador vira para o neto, e acrescenta: “o resto já tu sabes. Eu e a tua avó fomos muito felizes”.
Assim, “Enquanto o ditador dormia” é um livro que fala de amor, da guerra, de espionagem e de uma Lisboa cheia de contradições.
Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A Gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: Lou.alves@uol.com.br.
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