O último encontro com o mestre Ida
- E aí, “empresário”, não conhece mais os pobres, né?
A frase em tom irônico me fez estancar os passos apressados em um dos corredores de um shopping de Cuiabá no início de uma tarde qualquer há pouco mais de uma semana. Olhei rapidamente para trás e vi o rosto redondo e risonho do “japonês” Auro Ida. Claro, aquele tipo de brincadeira só poderia vir dele mesmo. Trocamos cumprimentos, nos abraçamos ligeiramente e falamos sobre coisas desimportantes.
Aquele foi um encontro breve, casual, daqueles que de tão corriqueiros, rapidamente, caem no esquecimento exatamente por serem fortuítos, desprovidos de grandiosidades e fundamentalidade na vida de amigos, colegas, companheiros de trabalho que vivem se encontrando pelos mesmos ambientes.
A ironia, uma característica marcante da personalidade do Auro, ao me chamar de “empresário” e me atribuir status e posses que não possuo pode ter sido motivada pelo fato de eu estar trajando paletó na ocasião, ou talvez, pelo fato de eu ser o solitário editor-reporter e proprietário da revista Inovar. Ou quem sabe, na verdade era o jeito personalíssimo dele de dizer que estava torcendo por meu sucesso.
O que importa isso agora? Nada. Dolorosamente nada pode mudar a realidade. A selvageria de um pistoleiro sem alma, por alguma razão absurda, subtraiu o Auro de nossa convivência.
Nunca mais teremos o Auro nos contando piadas nas longas esperas das entrevistas coletivas, nos corredores do Palácio Paiaguás, da Assembléia e outros órgãos públicos ou em algum evento político. Nunca mais leremos seus artigos ferinos, ora cheios de loas à algumpolítico, noutras tantas, repletos de aguilhoadas abrasivas em traseiros coroados de poderosos transitórios. Nunca mais o “japonês” nos levará a caneta indispensável para a sua coleção. Nunca mais.
A mim, especialmente, a notícia do assassinato brutal do amigo foi chocante.
Jamais passaria pela minha cabeça que o tranqüilo e bonachão Auro Ida pudesse ter inimigos de morte. Impossível imaginar que ele pudesse suscitar ódio mortal em quem quer que fosse, seja em algum ex-namorado/marido de alguma garota que ele houvesse seduzido com seu jeito divertido de ser e menos ainda em algum daqueles que, ao s colocarem em conflito com a legalidade, a moralidade, a coerência e a probidade político-administrativa, tornavam-se alvos de suas brilhantes matérias jornalísticas e artigos de opinião. Ingênuo, eu? Um tanto, talvez. Mas, como viver com um mínimo de paz de espírito e civilidade se não se acredita que a vida tem valor igual para todos?
Naquele dia em que nos encontramos pela última vez, se eu soubesse que não mais veria o mestre – sim, o Ida era nosso mestre, farol e referência para todos os repórteres de política desde a segunda metade dos anos 80 - teria alongado mais o abraço, esticado mais os cinco minutinhos de conversa trivial, teria convidado-o para compartilhar o café que tomei depois de resolver as contas que tinha ido pagar. Em fim, teria perguntado ao “japonês” sobre seus projetos, sobre alguma “bomba” que estivesse por ventura para detonar em alguma reportagem, algum artigo...
Perdi aquela oportunidade única. E tudo o que posso fazer agora é guardar na memória as lembranças do grande profissional que o Auro Ida foi, dos momentos em que dividimos idéias e expectativas sobre os melhores caminhos políticos para nosso querido Mato Grosso e para Cuiabá (mesmo que nossos pontos de vistas nem sempre fossem convergentes), ou sobre a deteriorização profunda da qualidade das coberturas jornalísticas ocorrida na última década em nossa imprensa, das suas piadas e lições de como se apura as notícias que realmente fazem diferença para os leitores. E orar a Deus para que dê bênçãos consoladoras à sua família (pais, irmãos, filhos) e a nós, que o amávamos fraternalmente e o admirávamos como companheiro de profissão.
As autoridades públicas do Estado, em especial o governador Silval Barbosa, com certeza não descansarão enquanto não colocar atrás das grades o assassino – um pistoleiro profissional - e principalmente, o mandante que encomendou o assassinato de Auro Ida. E logo.
É o mínimo que nós, amigos, parentes e cidadãos mato-grossense exigimos em honra e memória do Auro.
ANTONIO PERES PACHECO é jornalista em Cuiabá.
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