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Páginas Reveladoras
“Paris é uma festa”. Livro autobiográfico de Ernest Hemingway. Distante, felizmente, do enfadonho desfile de dados, detalhes, os quais jamais se entrelaçam uns com os outros. Mesmo que o período discorrido seja bastante curto, de 1921 a 1926. Tempo em que o autor se encontrava na capital francesa. Nesta, sob o som das águas do Sena, saboreou um dos bons momentos da vida. Uma vida cheia de altos e baixos, em que a pobreza vivida fazia parede e meia com seus demônios internos, sem, contudo, afastá-lo do charme dos cafés, que ainda existem aos montes por lá, e em cujos percursos se relacionou com “gente anônima das ruas” e “gente famosa”.
São 236 páginas de pura busca de Ernest consigo mesmo. Aliás, é esta uma característica muito presente nos contos e romances que escreveu, e descobrindo-se nos instantes “de dor, perigo ou derrota”. O idealismo nele jamais se aportou e fez morada. Não no sentido piegas e romantizado. Pois, talvez, ele, o escritor preferiu enfrentar a vida como um desafio, e, sem pestanejar, procurou vencer os obstáculos que lhe apareciam à frente. O primeiro deles, e certamente o mais difícil de todos, surgiu ao abandonar a profissão de jornalista para se dedicar tão e unicamente a arte da escrita.
A falta de dinheiro, então, se mostrou cruel, uma vez que teve – juntamente com a esposa – que optar: ora somente almoçar, ora apenas jantar. Apesar disso, a carreira literária lhe era promissora. Afinal, escrevia muitíssimo bem. Ainda que houvesse instante em que a inspiração custasse a chegar. Neste caso, aconselhava a si próprio, e a quem se ousa a falar no papel: “tudo o que tem a fazer é escrever uma frase verdadeira”, e esta aparecia graças à lembrança do que “tinha lido ou ouvido alguém dizer”. Evitava, contudo, elaborar frases rebuscadas, e, quando as escrevia, sabia que teria de jogá-las fora, cortar os floreados ou ornamentos. Foi quando decidiu, sabiamente, contar “a respeito de cada coisa que conhecesse realmente bem”.
Até porque a Belle Époque tinha ficado para traz. Mas não a paixão que sentia pela cidade – “seus perfumes, seus encantos”. Além disso, foi nela que Hemingway se encontra com os autores russos, em uma biblioteca paga, e também conhece e se torna amigo de John dos Passos (1896-1970), do irlandês James Joyce, Ezra Pound e Scott Fitzgerald (1896-1940). Scott, Ezra e Passos estadunidenses como ele, aos quais a igualmente estadunidense Gertrude Stein (1874-1946) se referia – a todos - por “geração perdida”. Uma geração criada com valores e perspectivas que já não significavam quase nada no mundo do pós-guerra. Daí o encontro em Paris. Não a de agora. Mas a dos anos 1920, para onde “acorriam intelectuais e artistas de praticamente todo o mundo ocidental em busca do ambiente no qual se sentiam estimulados a produzir suas obras”.
Cenário-ambiente da época tão bem descrito por Hemingway, e a quem a vida tinha aparecido simples em uma manhã de “falsa primavera”. No entanto, “Paris era uma cidade muito antiga”, e nada nela era simples, “nem o bem e o mal”, nem a respiração de alguém que se encontra do lado esquerdo da cama, “dormindo ao luar”, e, quando ama verdadeiramente quem lhe faz companhia, juntos procuram evitar que as arruínem. Embora o despreparo que possuem, podem reconhecer as artimanhas, nem saberão como se livrarem a tempo do perigo. Isso fica claro nas palavras de Scott, ao confessar que Zelda – sua esposa – lhe jogou na cara que ele jamais poderia fazer a felicidade de mulher alguma. Causa de seus problemas e depressão.
Portanto, “Paris é uma festa” traz a luz um autor as voltas com suas angustias, dificuldades e, enfim, em um permanente diálogo consigo mesmo. Trata-se, nesse sentido, também de uma viagem sentimental à década de 1920, na cidade luz, cuja estadia serve de “lembrança por toda a vida”. Vale à pena, então, conferir o que suas páginas são capazes de revelar.
Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A Gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: Lou.alves@uol.com.br.
São 236 páginas de pura busca de Ernest consigo mesmo. Aliás, é esta uma característica muito presente nos contos e romances que escreveu, e descobrindo-se nos instantes “de dor, perigo ou derrota”. O idealismo nele jamais se aportou e fez morada. Não no sentido piegas e romantizado. Pois, talvez, ele, o escritor preferiu enfrentar a vida como um desafio, e, sem pestanejar, procurou vencer os obstáculos que lhe apareciam à frente. O primeiro deles, e certamente o mais difícil de todos, surgiu ao abandonar a profissão de jornalista para se dedicar tão e unicamente a arte da escrita.
A falta de dinheiro, então, se mostrou cruel, uma vez que teve – juntamente com a esposa – que optar: ora somente almoçar, ora apenas jantar. Apesar disso, a carreira literária lhe era promissora. Afinal, escrevia muitíssimo bem. Ainda que houvesse instante em que a inspiração custasse a chegar. Neste caso, aconselhava a si próprio, e a quem se ousa a falar no papel: “tudo o que tem a fazer é escrever uma frase verdadeira”, e esta aparecia graças à lembrança do que “tinha lido ou ouvido alguém dizer”. Evitava, contudo, elaborar frases rebuscadas, e, quando as escrevia, sabia que teria de jogá-las fora, cortar os floreados ou ornamentos. Foi quando decidiu, sabiamente, contar “a respeito de cada coisa que conhecesse realmente bem”.
Até porque a Belle Époque tinha ficado para traz. Mas não a paixão que sentia pela cidade – “seus perfumes, seus encantos”. Além disso, foi nela que Hemingway se encontra com os autores russos, em uma biblioteca paga, e também conhece e se torna amigo de John dos Passos (1896-1970), do irlandês James Joyce, Ezra Pound e Scott Fitzgerald (1896-1940). Scott, Ezra e Passos estadunidenses como ele, aos quais a igualmente estadunidense Gertrude Stein (1874-1946) se referia – a todos - por “geração perdida”. Uma geração criada com valores e perspectivas que já não significavam quase nada no mundo do pós-guerra. Daí o encontro em Paris. Não a de agora. Mas a dos anos 1920, para onde “acorriam intelectuais e artistas de praticamente todo o mundo ocidental em busca do ambiente no qual se sentiam estimulados a produzir suas obras”.
Cenário-ambiente da época tão bem descrito por Hemingway, e a quem a vida tinha aparecido simples em uma manhã de “falsa primavera”. No entanto, “Paris era uma cidade muito antiga”, e nada nela era simples, “nem o bem e o mal”, nem a respiração de alguém que se encontra do lado esquerdo da cama, “dormindo ao luar”, e, quando ama verdadeiramente quem lhe faz companhia, juntos procuram evitar que as arruínem. Embora o despreparo que possuem, podem reconhecer as artimanhas, nem saberão como se livrarem a tempo do perigo. Isso fica claro nas palavras de Scott, ao confessar que Zelda – sua esposa – lhe jogou na cara que ele jamais poderia fazer a felicidade de mulher alguma. Causa de seus problemas e depressão.
Portanto, “Paris é uma festa” traz a luz um autor as voltas com suas angustias, dificuldades e, enfim, em um permanente diálogo consigo mesmo. Trata-se, nesse sentido, também de uma viagem sentimental à década de 1920, na cidade luz, cuja estadia serve de “lembrança por toda a vida”. Vale à pena, então, conferir o que suas páginas são capazes de revelar.
Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A Gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: Lou.alves@uol.com.br.
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