Mora com ele
Minha mãe, quando ouvia elogios a determinadas pessoas que ela conhecia muito bem, ironicamente, respondia: “mora com ele”.
Realmente, só com a vida a dois sabemos quem é o outro.
E como somos diferentes daquilo que, às vezes, mostramos ser!
Os homens parecem que tem certa preferência por mulheres sofredoras, pois sabem que elas desenvolvem o sentimento da culpa.
Quando este se manifesta clinicamente, tudo que dá prazer é desprezado, e a mulher se permite autoanular por completo, se coisificando no dia-a-dia.
E, quando alguém não se ama, é impossível amar o outro. São abolidos, ou, o que é pior, vividos sem emoção, as viagens, compras, vida cultural e comidas sofisticadas em restaurantes renomados. Isso seria o substituto material daquele pobre ego em total penúria afetiva.
Triste, é que, com o passar dos anos, essas coisas vão se agravando sucessivamente e, quando se vê, não se reconhece mais aquela pessoa que um dia pareceu ser importante em nossas vidas.
Um grande número de casais aparentemente felizes, um dia se descobre nesse estágio. Projetos juntos para o futuro? Perdem todo o sentido. Resta apenas o afundamento no trabalho como fuga que, mal ou bem, ajuda a empurrar o tempo.
Os mais arrojados partem em busca de novas relações, mesmo sabendo do alto preço a pagar, não só em termos econômicos, mas, principalmente, em termos sociais, principalmente em comunidades mais conservadoras.
Sinto uma tremenda inveja daqueles que não trabalham e vivem bem, sem nenhuma preocupação.
Estes sonham em encontrar, para sempre, um abrigo seguro para suprir as suas necessidades vitais.
O bom é que se divertem, sem o mínimo sentimento de culpa.
Se forem casados, dizem que sua vida afetiva anda às mil maravilhas e que os filhos não dão o mínimo trabalho, nem em casa e nem no colégio, recebendo rasgados elogios dos seus mestres pelos seus excelentes desempenhos escolares.
São crianças estudiosas e educadas.
Esses seres invejáveis querem tudo do bom e do melhor que a vida lhes pode oferecer, mesmo sabendo que estarão sacrificando alguém.
Vendem uma felicidade que não têm, e, o pior é que tem gente que acredita nessa falsidade.
Representam o verdadeiro quadro da hipocrisia social, que só é desfeito pela sábia observação da minha mãe.
“Mora com ele...”.
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