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Opinião
Quarta - 24 de Maio de 2023 às 04:20
Por: Giovana Fortunato

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Apesar de legalizado em casos de estupro, risco à vida da gestante e fetos anencéfalos, a falta de informação e o preconceito dificultam o acesso de mulheres e pessoas com útero ao abortamento.

Seja devido a recentes decisões judiciais (como a do Superior Tribunal de Justiça, que entendeu que médicos não podem denunciar pacientes que abortaram fora da previsão legal) ou a atos organizados pela sociedade civil em defesa dos direitos das mulheres, o aborto voltou ao centro do debate público.

De forma simplificada, o aborto consiste na interrupção da gravidez, com a remoção ou expulsão de um embrião ou feto do útero. Isso pode acontecer de forma espontânea (ou natural), quando independe de qualquer intenção da gestante, ou artificial, quando o fim da gravidez é intencionalmente provocado, seja por meio de medicamentos ou cirurgia. Em caso de abuso sexual o tempo limite são de 20 ou 22 semanas ou feto menor que 500 gramas.

Como regra geral, no Brasil o aborto é crime previsto nos artigos 124 a 126 do Código Penal, exceto em três ocasiões: gravidez por estupro, casos que coloquem em risco à vida da mulher e de fetos com anencefalia (ausência ou má formação do sistema cerebral). Esta última ressalva foi garantida por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012.

Atualmente, estão em discussão pelo menos outras duas propostas que visam a descriminalização, ainda que parcial, do aborto pela via judicial. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que tramita no STF desde 2017 e prevê a descriminalização do aborto voluntário até o terceiro mês de gestação, e a ADPF 989, de 2022, que discute justamente a dificuldade de acesso das mulheres ao aborto legal. Os processos, no entanto, não têm data para serem julgados.

O grande debate hoje em torno do aborto no contexto brasileiro, segundo as especialistas, é que embora exista previsão legal para que o procedimento seja realizado, milhares de mulheres não conseguem acessá-lo, seja pela ausência de unidades hospitalares próximas que oferecem o serviço, pelo preconceito e despreparo dos profissionais da saúde, pela falta de informação sobre os direitos das mulheres ou a própria violação deles.

Nos casos de aborto legal, o procedimento deve ser disponibilizado gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas isso não significa que todas as unidades hospitalares públicas fazem o serviço.

Segundo a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento do Ministério da Saúde, o Código Penal não exige qualquer documento para a prática do abortamento em casos de violência sexual e a mulher não é obrigada a noticiar o fato à polícia.

Novos estudos mostraram que 1 em cada 7 mulheres, com idade próxima aos 40 anos, já fez pelo menos um aborto no Brasil. Metade das mulheres (52%) o fizeram antes de completar 19 anos. Conforme a pesquisa, as que mais realizam um segundo abortamento são as mulheres negras, com algum grau de vulnerabilidade social ou pobreza, e a ocorrência de dois abortos ou mais está presente em 1 em cada 5 mulheres (21%).

É necessário um longo caminho para que a gente consiga falar abertamente sobre direitos sexuais e reprodutivos no Brasil

Outra vertente que preocupa muito são as complicações do aborto clandestino como: infecção, hemorragia, infertilidade, perfuração do útero, infecção generalizada e risco de vida para essa mulher até morte materna. O acolhimento e atendimento multidisciplinar é fundamental para essas mulheres que procuram assistência médica para realizar o aborto legal nos centros de referência.

As instituições segundo a SES em Mato Grosso apenas o Hospital Universitário Júlio Müller, em Cuiabá, e a Santa Casa de Rondonópolis (212 km da Capital) afirmaram estarem preparados para realizar o aborto legal.

Para isso, conforme descreve a legislação, não é preciso apresentar um boletim de ocorrência ou decisão judicial. Na teoria, em casos de estupro, apenas a palavra da vítima e a avaliação do médico são suficientes. Em casos de anencefalia ou risco de vida à gestante, é preciso de um laudo de dois médicos especialistas que assegurem as condições.

É fundamental, por fim, reconhecer que a qualidade da atenção almejada inclui aspectos relativos à sua humanização, treinando profissionais, dependendo dos seus preceitos morais e religiosos a preservarem uma postura ética, garantindo o respeito aos direitos das mulheres.

Dra. Giovana Fortunato é ginecologista e obstetra, docente do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do HUJM e especialista em endometriose e infertilidade no Instituto Eladium.



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