Vitória para a baixada cuiabana e o pantanal Precisa haver equilíbrio para que interesses de grupos não prevaleçam
Há bastante tempo, não apenas em Mato Grosso, no Pantanal ou na Baixada Cuiabana, mas também no Brasil inteiro, existe uma “luta surda” entre grandes grupos econômicos que, para saciarem seus apetites por um lucro fácil e imediato, não medem esforços para transformarem bens coletivos e de uso comum, como as florestas, os minérios, a água, enfim, recursos naturais que devem estar a serviço da coletividade, em mercadorias que possam ser apropriadas sem se importarem, sequer, com os danos ambientais que tais formas de apropriação privada provocam, impondo um passivo ambiental, não apenas às atuais gerações quanto, e principalmente, às gerações futuras.
Esta é uma verdadeira guerra, em que diversas batalhas tem sido e continuam sendo travadas em muitas dimensões ou, no que na linguagem da estratégia militar são denominadas, “teatros de operações”.
As principais instâncias em que essas batalhas estão sendo travadas estão localizadas nos tribunais (Poder Judiciário), nos poderes Executivo e Legislativo e também em organismos do poder executivo, principalmente naqueles que estão relacionados com o Meio Ambiente, na mídia, onde cada lado tenta ocupar seus espaços, divulgando suas “narrativas” e tentando justificar suas posturas e ações e, também, junto ao imaginário coletivo, que chamamos de opinião pública, além, é claro, junto às diversas organizações de representação da sociedade civil, como movimentos sindicais, comunitários, igrejas, clubes de serviços, escolas etc.
Cabe ressaltar também a importância do conhecimento e do papel das instituições de pesquisas, os Institutos e as Universidades, entidades prioritárias em oferecer conhecimentos atualizados quanto aos impactos e danos que, por exemplo, a construção de barragens nos diversos rios de Mato Grosso, da mesma forma que em outros estados, podem causar tanto para a preservação da biodiversidade, quanto às atividades econômicas e, principalmente, sobre o direito que as pessoas tem quanto ao uso da água, seja para abastecimento humano, industrial, animal e agropecuário.
Todavia, neste contexto, precisa haver um equilíbrio para que esses interesses de grandes grupos econômicos não prevaleçam em detrimento dos demais interesses, principalmente os interesses da população em geral.
É importante também atentar ao que estabelece a nossa Constituição Federal em seu artigo 225: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
.... IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.”
Outro aspecto a ser destacado é o fato de que a ONU reconhece a água como um direito fundamental das pessoas e que a privatização deste precioso líquido, como ocorre quando grupos econômicos tentam se apropriar dos rios em uma região, afeta o direito das diversas comunidades e aglomerados, tanto rurais quanto urbanos.
No caso do Rio Cuiabá e seus afluentes (Bacia do Rio Cuiabá), o mesmo é parte da identidade natural, cultural, econômica e social de uma região cujo povoamento é o mais antigo deste estado e também do Centro Oeste.
Ao longo de décadas o Rio Cuiabá, da mesma forma que rios de vários outros estados serviram e ou ainda servem, como no caso dos rios da região amazônica, como vias de navegação, verdadeiras estradas fluviais, ligando populações e povoados que vivem ainda de forma isolada.
Existe uma verdadeira investida por parte de alguns grupos econômicos tentando construir ou já construindo mais de uma centena de barragens nos diversos rios de Mato Grosso, a maioria dos quais fazem parte da Bacia do Alto Paraguai e são importantes e fundamentais para garantir o regime das águas que formam a maior planície alagado/alagável do mundo, que é o PANTANAL, considerado pela UNESCO como patrimônio natural da humanidade, pela sua exuberância, beleza e riqueza de sua biodiversidade (fauna e flora), e o Rio Cuiabá e seus afluentes são fundamentais para este equilíbrio ambiental/ecológico.
Um desses grupos econômicos está tentanto, há alguns anos, construir seis barragens no Rio Cuiabá, em um trecho de 190km, entre o município de Cuiabá até as cabeceiras do mesmo.
Para contrapor-se a esta tentativa de privatizar o Rio Cuiabá e a água neste trecho, cujos impactos econômicos, ambientais, sociais e culturais serão extremamente danosos, podendo causar a destruição da quase totalidade da biodiversidade do Pantanal, ferindo de morte a vida de pescadores, ribeirinhos e pequenos agricultores, afetando significativamente o abastecimento da população de todas as cidades da Baixada Cuiabana e diversos outros impactos extremamente negativos , conforme estudos da ANA – Agência Nacional da Água; da EMBRAPA Pantanal, da Fundação Eliseu Alves, da Universidade Federal de Mato Grosso e de diversas outras instituições de pesquisa, o Deputado Estadual Wilson Santos apresentou um Projeto de Lei na Assembléia Legislativa, para impedir a construção dessas barragens e que foi aprovado por ampla maioria dos deputados.
O referido projeto, sob o argumento de que seria inconstitucional, foi VETADO pelo Governador do Estado e, posteriormente, graças a mobilização e pressão popular este veto foi rejeitado (como se diz popularmente, foi derrubado) pelos deputados por 21 x 4 votos e, posteriormente, sancionado pelo próprio governador que o havia vetado anteriormente.
Como acontece em todas as guerras, o referido grupo, sob o manto da CNI e de uma outra Associação econômica, ligada `a area da energia eletrétrica, entrou com uma ação no STF arguindo a Constitucionalidade da referida Lei, sob o argumento de que cabe exclusivamente à União legislar sobre água e a exploração de outros recursos naturais.
Por mais que o relator da citada Ação no STF, Ministro Fachim, tenha elaborado um brilhante e extensivo parecer, negando “provimento” à ação proposta, dizendo, inclusive que o Estado (no caso Mato Grosso e, cremos nós, os demais estados) tem, não apenas o direito, mas também o dever de zelar pelos recursos naturais e meio ambiente que estão em seu território, com “competência concorrente com a União”, no que foi seguido pela presidente do STF Ministra Rosa Weber.
Todavia, oito outros ministros, votaram pela inconstitucionalidade da Lei Estadual que proibe a construção de seis barragens no Rio Cuiabá e que garantiria que este lendário Rio e o Pantanal continuassem vivos.
Inúmeras pessoas, professores, cientistas, pesquisadores e parlamentares não se cansam de dizer que o STF não julgou o mérito da pretensão desses grupos econômicos, que teimam em privatizar os rios e as águas em nosso Estado e que a voz da ciência e a análise dos impactos negativos da construção dessas barragens cabe exclusivamente à SEMA – Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso, o que acabou acontecendo há poucos dias.
Por determinação da Presidência da SEMA foi constituido um Grupo de Trabalho, com profissionais de alto nível, doutores e pós doutores, de diversas instituições, com saberes multidiciplisnares, necessários para tais pareceres, para que pudessem analisar, no mérito, os impactos que tais barragens poderiam causar ao meio ambiente, a economia, a cultura e a população que vive nesta regiao, caso as mesmas viessem a ser construídas.
Em meio ao clima quente, das polêmicas que a decisão do STF estava causando na população, no Parlamento estadual e na opinião pública, inclusive nos meios de comunicação há poucos dias, depois da análise da solicitação de licença ambiental por parte do Grupo econômico interessado em construir as seis barragens, privatizando o Rio Cuiaba no trecho antes mencionado, este grupo de trabalho da SEMA negou o pedido, ou seja, não concedeu a licença ambiental para que seis barragens possam ser construidas no mesmo.
Se por um lado a decisão do STF foi uma derrota para os defensores do Rio Cuiabá e do Pantanal, por outro lado, a decisão do Grupo de trabalho e da SEMA, negando a licença ambiental, foi uma IMPORTANTE VITÓRIA para a BAIXADA CUIABANA, para a Bacia do Rio Cuiabá e para o nosso PANTANAL.
Mas, como em todas as guerras, não podemos “baixar as armas”, pois, talvez ou com certeza, o inimigo (ou seja, grupos econômicos que querem destruir o meio ambiente) vai “voltar à carga” e poderá abrir novas frentes de batalha.
Isto significa que precisamos estar bem alertas ou como se diz, “não podemos dormir de touca”, um simples cochilo pode representar novas derrotas para os guardiões da Baixada Cuiabana, do Rio Cuiabá e do Pantanal.
Precisamos, mais do que nunca, juntar nossas forças para alavancar projetos e recursos para um grande programa de desenvolvimento econômico, social e cultural para a Baixada Cuiabana, promovendo um maior dinamismo para esta região que representa o berço histórico e cultural da ocupação e do desenvolvimento de Mato Grosso, onde vivem e sobrevivem mais de 30% da população do Estado.
A Baixada Cuiabana tem muitos problemas e desafios, principalmente nos aspectos ambientais, econômicos e sociais, bolsões de pobreza e miséria ao lado da opulência e da riqueza; mas tem também, ao lado do PANTANAL, grandes potencialidades em todas as áreas, principalmente como destino turístico, centro de prestação de serviços de excelência nas áreas da saúde, da educação, da gestão pública, é um grande centro comercial, de abastecimento e de prestação de serviços para todo o Estado razões mais do que suficientes para acreditarmos que a Baixada Cuiabana tem um grande futuro, pois aqui também estão as instâncias dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário deste grande e promissor estado que é Mato Grosso, que tanto se orgulha de ser o “celeiro do Brasil e do Mundo”.
O Rio Cuiabá e suas águas pertencem ao povo desta região e não podem ser privatizados, jamais. Cabe a nós defender o nosso Rio e o Pantanal, por isso não podemos nos omitir neste momento! O dia em que o Rio Cuiabá e outros rios de Mato Grosso morrerem, o Pantanal também irá morrer! Pense nisso e fique espeerto/esperta.
Juacy da Silva é professor titular, aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso.
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