Um santinho, um duende e um Baton Garoto
Ana é um nome tão redondinho, bem-feito. Escrito em minúsculo fica ainda melhor - ana. Não é? A Ana da minha vida, entretanto, não comporta minúsculas. Minha Ana é toda maiúscula. E como o nome, pode olhar pra ela de trás pra frente que a danada está sempre inteira. Ontem foi dia das mães. E eu queria ter lhe dito coisas lindas logo cedo quando nos falamos. Mas só me ocorreu agradecer por todas as barrigas de caranguejo que ela já me abriu na vida. Eu, que nem na praia moro, e por isso mesmo tenho poucas oportunidades de fazer o mesmo pra Sofi, a única daqui de casa que come caranguejo, sei dos machucados dos meus dedinhos.
Tive uma amiga muito próxima na infância. Um dia a mãe dela nos levou à praia. Pedimos três caranguejos. Ela não ajudou ninguém. Na hora que nos preparamos para comer a patola (aquela maiorzona, carnudona) ela puxou a da minha amiga e disse: come o melhor quem vai pagar a conta. Cheguei em casa horrorizada. Tudo isso pra dizer que minha mãe entende o valor do agradecimento. Mas eu achei pouco.
Emendei dando obrigadas pelo dia em que tive um almoço coletivo na escola que recomendava que levássemos frutas para a sobremesa. Ela sabia que eu não amava fruta de sobremesa e encomendou na lanchonete Ponto 17 - cujo telefone era 761 1717 - docinhos de leite ninho em formato de frutas. Mini melancias, maçãs, bananinhas de puro amor e açúcar. Ela riu. Ainda assim desliguei achando o recado insuficiente.
Eu devia ter falado outras coisas. Do dia que eu disse que tinha vontade de aprender a mexer com barro e ela debandou de Garanhuns pra Caruaru pra comprar barro do Alto do Moura. Ou do outro que inventei de fazer um curso de férias de inverno todo dia às 7h da manhã, em Garanhuns, e eram as férias e era inverno, ela nem perguntou “curso de quê?”. “Pode fazer a
matrícula que eu te levo”. Ou de quando, pertíssimo do vestibular, eu coloquei na cabeça que não ia lembrar de nada na hora da prova, e ela me deixou fazer um outro curso que se chamava chutássio, o professor era Tássio. Ou então do dia do vestibular que ela colocou um santinho no meu estojo, mas sabendo que eu desde ali não era a mais religiosa das criaturas, colocou também um duende e um Baton Garoto. Eu passei. Ou podia ser quando minha irmã ganhava medalha de melhor aluna e ela comprava uma caixa de chocolate pra fazer premiação pra mim e pra Poly em casa. Cada uma era a melhor da “terceira série dos Monteiro D´Albuquerque”. Ou quando ela dizia pra gente “você é a minha filha favorita de 9 anos e você é a favorita de 8”.
Aquele gosto de ser a escolhida. Deveria ter agradecido pelo todo dia. Escolho minha mãe mil vezes. Minha favorita, minha nota 10, minha benção e minha sorte, meu Baton Garoto, minha patola de caranguejo, minha ANA.
Roberta D'Albuquerque é psicanalista, atende em seu consultório em São Paulo e escreve semanalmente no Gazeta Digital e em outros 17 jornais e revistas do Brasil, EUA e Canadá. E-mail: contato@robertadalbuquerque.com.br
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