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Opinião
Domingo - 07 de Maio de 2023 às 04:22
Por: Enildes Corrêa

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Nascida em 28 de março de 1928 em Chapada dos Guimarães. Filha de Bárbara de Campos Pereira e Cipriano Pereira, Juiz de Paz em Chapada dos Guimarães. Era afilhada de Dom Aquino Correia, amigo pessoal da família.


Fixou residência em Cuiabá desde a idade de 25 anos até o seu falecimento aos 95 anos, ocorrido em 24 de abril de 2023.

Teve seis filhos, sendo três biológicos e três adotivos, treze netos, vinte bisnetos e dois trinetos.

A Sra. Benedita Irene era conhecida pelo apelido de Quita, mais do que pelo seu nome de batismo. Ainda menina, ganhara o apelido de Quitinha da amada e venerada mãe, Bárbara de Campos Pereira.

Morou no início da vida conjugal na fazenda de seu sogro, Antônio Gabriel Corrêa da Costa, na localidade denominada de Pipas Bom Jardim, à época pertencente ao município de Cuiabá. Nesse período, foi nomeada professora pelo governo do Estado de Mato Grosso para lecionar na Escola Rural Mista de Pipas Bom Jardim. Foi a primeira professora da localidade e alfabetizou inúmeras crianças e adultos da região ao longo dos anos em que lá viveu.

Posteriormente, mudou-se com o marido para Cuiabá, onde abriu um estabelecimento comercial de secos e molhados no bairro Baú na década de 1950. O comércio ampliou pela sua boa gestão e foi para a Rua dos Bandeirantes, na proximidade da Igreja do Rosário e São Benedito, seu santo de devoção de toda uma vida.

Dona Quita era muito religiosa e tinha uma fé inabalável em São Benedito, dizia que ele fazia muitos milagres em sua vida. Todos os dias, acendia uma vela, rezava e pedia a Deus e aos santos proteção para a sua família.

De São Benedito originou o seu nome Benedita, cujo significado é abençoada, bendita, louvada. Por todas as boas ações realizadas em favor do próximo, Dona Quita fez jus ao seu nome de batismo, pois foi uma bendita pessoa por onde passou e com quem conviveu.

Dona Quita foi uma Mestra na arte de bem receber e atender a freguesia do estabelecimento comercial conhecido na Cuiabá antiga como “a venda de Seo Hélio e Dona Quita”.

Passava por lá muita gente da nossa cuiabania tradicional, além de figuras que se tornaram folclóricas de Cuiabá, como Zé Bolo Flor declamando suas poesias, de pés descalços, saco nas costas, chapéu surrado na cabeça, Zé Peteté, Seo Raimundo, o cambista, dona Nhaxixa, dona Epifania, Otilia, Zaramela e tantos outros.

Produtos de qualidade singular eram vendidos no armazém da família. Alguns eram produzidos na fazenda Buritizinho, propriedade de Seo Hélio, seu marido: doce e rapadura de leite, queijo minas, carne seca, linguiça de porco, banana da terra etc. A boa fama desses e outros produtos típicos da nossa região corria de boca em boca, o que fazia inúmeras pessoas atravessarem a cidade para adquiri-los.

Os filhos, desde criança, testemunharam Dona Quita atender a toda freguesia sem nenhuma discriminação - fossem chamados de santos ou de pecadores. Todas as pessoas, todas mesmo, eram recebidas com educação, respeito e sincera gentileza. Até com os bêbados, dona Quita e Seo Hélio tinham paciência admirável! A atmosfera era de harmonia na convivência humana, quer fossem clientes ou não.

O armazém era aberto às 04:00 horas, pontualmente. Para muitos da vizinhança e arredores da Rua dos Bandeirantes, da Sete de Setembro e da Igreja de São Benedito, era assim que começava o dia – na venda de Seo Hélio e da Dona Quita -, bebendo café fresco, comendo o bolinho de nome “sonho”, ouvindo música sertaneja de raiz e boa prosa na companhia dos amigos.

Só depois de o sol nascer, e após cumprido o ritual de passagem por lá, os madrugadores começavam a sua jornada de trabalho, sem estresse. Abasteciam-se, primeiramente, da forte energia da madrugada e do sentimento de amizade que unia os cuiabanos.

Naquele acolhedor, dinâmico, próspero e alegre pedaço de chão cuiabano, engolido na década de 70 pelas obras da Av. da Prainha, havia a convivência pacífica e respeitosa entre brancos, negros, ricos, pobres, prostitutas, freiras, padres, inclusive, os pedintes que dona Quita costumava ajudar sem jamais fazer alardes da caridade praticada, diariamente. Para ela, todo dia era Dia de Santo. Dentro do armazém, nunca ninguém foi hostilizado nem tratado com atitude de superior para inferior.

Sem dúvida nenhuma, lá foi um canteiro de obras indestrutíveis e de rara beleza – a acolhida, a amizade e o respeito na convivência humana, de modo incondicional.

Um outro traço da Dona Quita, além de sua incomparável honestidade e integridade de caráter, do seu dinamismo e disposição para o trabalho: a fome do outro sempre doeu em seu coração. Jamais negou um prato de boa comida para quem quer que fosse, a qualquer hora do dia ou da noite. Um exemplo de humanidade que deixou aos seus seis filhos, testemunhas de seus gestos espontâneos de caridade, dos quais não fazia nenhuma proclamação.

Aliás, alimentava qualquer ser vivente que estivesse diante de si, tanto humano quanto
animal. Plantas em suas mãos, também nunca morriam por falta de água.

Admirável também a sincera hospitalidade com que sempre tratou as visitas. Nenhuma delas saía de sua casa sem ter tomado pelo menos uma xícara de café, fosse um trabalhador dos mais humildes, fosse um político renomado. Nunca ninguém a viu fazer distinção de status social na arte de bem receber. Foi mãe exemplar, assim como uma filha e irmã dedicada. Distinguia-se pelo cuidado com todos os membros de sua família. Se há amor, há presença e cuidado. O cuidado só existe se há amor de verdade.

Disse uma de suas sobrinhas: “Tia Quita era uma pessoa que tratava todo mundo como um só. Não fazia distinção para tratar bem quem quer que fosse.”

Ao revermos a história de vida da Dona Quita, constata-se que ela foi uma luz no cultivo da gentileza e da paz na convivência.

Atualmente, em meio a tantas turbulências no convívio social geradas pela ignorância, que faz emergir a intolerância, o ódio, a violência, Dona Quita é uma forte referência no caminho da virtude do acolhimento incondicional.

No solo da sua casa contribuiu para a paz ao seu redor com a generosa oferenda do sentimento de amizade presente em seu coração e com seus famosos bolos de queijo e de arroz, os quais fazia pessoalmente, de sabor e qualidade incomparáveis. Essa era uma das maneiras da matriarca da família Campos Corrêa entregar o seu amor na dimensão terrena.

Enildes Corrêa é filha caçula de Dona Quita e Seo Hélio.

Enildes Corrêa é terapeuta corporal e professora de meditação e respiração consciente.



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